terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Feliz Navidad!



Sou um judeu fajuto e sei muito, muito pouco sobre o Natal. Mas gosto de escrever assim. Inicial maiúscula, Natal. Tenho respeito por esse dia, mesmo ele nunca tendo feito parte da minha religião e acho isso engraçado. É a lembrança do Natal que me emboscou todo mês de Dezembro por esses 20 e poucos anos. Quase sempre dias tristes, onde eu me sentia peixe fora d'água,

Teve um tempo, há muito tempo, em que eu comemorava o Natal e era feliz. Quando criança me juntava a outras crianças da família, muitas delas celebrando o Natal como cristãos, e por proximidade eu fazia parte da carinhosa festa em outros lares. Mas a infância passa tão rápido, não é? Cresci sem me ligar a fé ensinada em casa ou na escola. Achei um caminho pessoal pra ver Deus e todas as coisas e fiquei em paz com isso. Mas a gente sabe, o Natal não perdoa ninguém. O Natal estava em filmes que "Esqueceram de Mim", eram um bando de "Anjos de Vidro", se "Um Papai Noel Muito Louco" me assombrava, vinham com ele "Os Fantasmas de Scrooge" e tudo o que eu queria era pegar o "Expresso Polar" pra fugir de tanto caminhão da Coca-cola tocando músicas fofas na minha porta.

Mentira. Nunca quis estar fora do Natal, mas nunca fiz parte dele. Era o namorado que ia pra festa família. O amigo que veio dar uma passada. Recebia "Feliz Natal" e acaba respondendo "obrigado", na falta do que dizer.

Esse ano eu desejei "Feliz Natal" de volta. E não me senti errado. Ajudei a dar uma festa de Natal, convidei amigos, assei um peru, comi pavê e ignorei completamente a mesa de frutas como qualquer bom cristão. Cantei "Feliz Navidad" com Michael Bublé e a Thalia. Fiz piadas sobre Jesus como se eu e ele fossemos velhos conhecidos. Propus jogos natalinos como o "Manja a manjedoura?", em que você devia fazer um troço de palha para que um bebê ficasse confortável por cima. Não foi pra frente, mas vocês entenderam. Eu abracei o espírito natalino. E foi bom porque ele me abraçou de volta, com amigos tão bons e coisas pequenas e gostosas como um sorriso largo que brota sem motivo.

Ano que vem pinto a barba de branco e assusto crianças. E quando eu tiver filhos vou reuní-los nesse dia. Vou contar histórias e estórias, cozinhar e comer, compartilhar presentes e dizer que Moisés é tão divertido quanto Papai Noel. Um dia pra celebrar a família como o Hanuka, como qualquer outro shabbat, como qualquer outro dia. O Natal entrou na minha vida de um jeito tranquilo, quando eu decidi entrar no Natal também. E é como beijar aquela garota que você sempre amou, mas achou que nunca seria sua.




sábado, 24 de novembro de 2012

Ela foi viajar



- Vou porque vou, a senhora não tem nada com isso.
- Mas assim é muito bonito! Tem aula amanhã, faculdade é coisa fácil, deve ser!
- Deixa ela, Sarita.
- A senhora não dá pitaco que a filha é minha, mãe.
- Escuta a vó. A faculdade é minha, entrei porque EU estudei, meu esforço.
- Depois que eu paguei quinze anos de educação! Sem nenhum esforço meu, não é?!
- A menina já é grande, Sarita. Você quer ensinar o que não pode.
- Mãe. Mãezinha. Eu vou. E pronto.

E colocou a mochila nas costas pra ir embora. O Sérgio esperava por ela a uns mil quilômetros de distância. A mãe ainda fez um último esforço:

- Ele não pode vir pra cá, minha filha?

Marilha pensou por um instante. Meio instante.

- Poder pode, mãe. Mas eu é que quero ir.

E foi-se embora surpreender Sérgio. Sim, porque ele esperava por ela, contudo não sabia da sua vinda. Vou resumir a história deles pra você, intrometido, compreender. O jardim de infância costuma cultivar mais que a vida escolar, quase sempre a florzinha do amor aparece por ali. São belezas que não costumam durar, estes amorecos de parquinho. Vez por outra, porém, acontece um "Sérgio e Marilha". Um beijo torto no balanço, juraram que um dia casariam.

Ano seguinte, Sérgio se mudou de vez pro Jardim. Município de Jardim, Mato Grosso do Sul. Esqueceram de avisar os pais dele do casório prometido. Ficaram por quinze anos de educação sem se falar. Até que o Orkut (não o Facebook) fez os dois se esbarrarem. Marilha digitou o nome do menino no Google, e este mostrou que ele ainda estava lá, a espera de sua donzela. A frase auto-descritiva na rede social do rapaz dizia assim: "O mundo perde a graça quando me lembro que Marilha não casou comigo".

A menina se abalou toda, virou falha de San Andreas em São Paulo. Já tinha meses o namoro terminado com o Toni, aquele que tanto amara por tão pouco tempo. E a vida agora era tanta calmaria que ela só boiava. Foi lá se meter atrás da ação. De Itapemirim, que não tá fácil pra ninguém.

***

Sérgio era guia turístico, não ligava muito pras coisas além da natureza. Se decepcionara com o mundo, entocado naquele interior tão formoso do Parque da Bodoqueira. As pessoas só arrancavam, nunca plantavam. O verde é que cuidava de si, o Sérgio é que cuidava de si. O pai já se fora com um ataque do coração, levando o coração da mãe com ele. A viúva ficou pra sempre meio doente, a dor da perda minando sua saúde. Um oco de gente, mas ainda tinha carinho pelo filho. E ele, que queria ganhar o mundo, não podia deixá-la pra se devorar de solidão. Mas a cabeça viajava, pensava em ver aquela menina da escola de novo.

***

Desembarcou do ônibus já endurecendo o passo. Não tinha nem hotel, e não se importava. Marilha encontraria primeiro o amor, depois um teto. Rumou para o Parque, onde sabia que Sérigo trabalhava (Orkut, sempre indiscreto) pra passar o dia com ele. Depois de se perder algumas vezes, encontrou a prefeitura, lá dentro a secretaria de meio-ambiente, lá dentro os guais do parque, no meio deles o Sérgio.

Puxou ele pelo braço, disse que queria ir "descobri a natureza!". O rapaz ficou assustado, mas dinheiro é dinheiro e ele estava ali pra ganhar. Em pouco tempo chegaram ao ponto inicial da caminhada. Marilha então se apresentou. "Oi, sou Marílha, com "lh", do jardim de infância. Lembra?". Sérgio piscou algumas vezes. "Claro, lembro sim. Como você me achou?". Ela sorriu. "Orkut". Ele sorriu.

Caminhando pelo mato, se descobriram em algumas frases.

- Você tem saudade de São Paulo, Sérgio?

- De jeito nenhum, adoro ficar perto do verde. Minha vida é o verde. Quero aquilo mais não - ele puxava o "r" como um caipira, ela pensou. E quem iria preferir morar no mato que em uma cidade com tudo?

- Nossa, eu adoro a cidade. Andar de tênis acaba comigo, não tem um caminho mais fácil não? - ela fazia cara de nojo pras plantas e pisava na terra como fosse sujeira, ele pensou.

- A recompensa é grande, pode apostar. Se quiser eu te levo no colo, o que acha? - tomara que não seja uma caverna essa recompensa. Eca, ele tá todo suado, nunca que vou no colo dele, ela pensou.

Meia hora de silêncio constrangedor. Chegaram até o ponto que Sérgio queria. Sete lagoas de água cristalina no pé do morro, pequenas e puras. Os olhos dele brilhavam de emoção com aquele lugar. Mas Marilha só pensava que não entraria ali de jeito nenhum, devia estar gelado que só o cacete e ela não tinha trazido biquíni. Se ele estivesse querendo dar uma de esperto e nadar pelado, que fosse sozinho.

- Muito bonito. Podemos voltar?

A caminhada de volta foi mais silenciosa que qualquer outra que tiveram na vida. Marilha decidiu que não ia passar a noite lá. Chegando na pequena cidade foi direto pegar um ônibus pra São Paulo. Se despediram na entrada do Parque com um aperto de mão. Sérgio tinha uma expressão de quem comeu pizza quatro-queijos e tem intolerância a lactose.

***

Marilha chegou em casa como um furacão, menos de 24 horas depois de sair. A mãe estava na cozinha e viu a filha passar pro quarto pisando duro. Não sabia o que fazer, mas alguns minutos depois escutou um urro. Ao abrir a porta, viu a menina chorar loucamente em frente ao computador, enquanto gritava:

- Ele mudou a frase do Orkuuuutiiiiii!

Na tela, lia-se "O sonho ruiu, o verde permanece", logo abaixo da foto de Sérgio. Sarita suspirou enquanto consolava a filha. Uma hora depois, a jovem dormia. A mãe saiu do quarto cansada, foi se atirar no sofá ao lado da vó. A velha tinha um riso maroto no rosto.

- Do que é que a senhora tá rindo, mãe?
- Eu disse, mas você não escuta Sarita. Não dá pra ensinar essas coisas.
- Mas agora a Marilha tá lá, sofrendo que só.
- Sim, minha filha. Ela tinha que sofrer.
- Mãe, isso não tem sentido.
- Sarita, pelo amor do nosso senhor Jesus! Amar errado só se aprende vivendo. Vivendo!

Naquela noite, todas as filhas da casa dormiram pensando.


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O pequeno homem-leão


Areia movediça engolia a coragem do pequeno homem-leão. Parecia estar tudo tão bem no começo... Mas alguma coisa dava errado. E outra seguindo. E acolá vinha de novo. E quanto mais ele se sacudia, mais afundava. O desespero que vem, assoma, arrebata e arrebenta. Não é assim a história, meu amor? Antes você me contava, era tão bom. Era sem chave, agora sou cópia sem saber qual porta abro.

Andava emaranhado com a cidade e seus desejos esticados pela areia fina. Novembro passava. Sentia o corpo ardendo com o sol de vaidades que banhava a praia larga. Tantos afoitos forjando intimidades, terra de meio-sorrisos, os perfeitos que davam defeito. Eram licores sem cores, o puro álcool evaporando sal do mar. Era tudo ressaca.

Era um Rio de Janeiro e Novembro passava em sua vida sem portela.

Entre uma e outra estação, fingia ser Primavera pra todo lado, tinha que esperar pela sua hora. Se sentia enjaulado e diminuído pelos relógios. Preso em um mundo de frases pré-moldadas, qualquer um podia edificar a próxima curva da vida. A solidão se apoderava, o cão negro do vizinho que mostrava os dentes e já não tem mais coleira. Entrou em uma loja pra comprar um paletó novo. Chorou como uma criança dentro do provador e saiu como se nada tivesse acontecido.

Tudo isso era a cidade do sol em dia de chuva. A confusão lá dentro não tem zona, qualquer grande túnel sem a luz no fim. Ela sofria saudades em um céu de brigadeiro. E ele não sabia nem como esconder própria dor. Vazava e pedia. O silêncio cuidava de cumprir a missão dos rugidos. Os gritos do pequeno homem-leão moravam nas respostas que nunca eram dadas às perguntas.

Novembro. O fim da história eu sempre esqueço, meu amor.




domingo, 11 de novembro de 2012

Tarde demais


Caio se apaixonava à medida que ela roia as unhas. O esmalte vermelho dos dedos se desfazendo no esmalte claro dos dentes, ansiedade e mania, desconto do controle foragido. A moça nem percebia o olhar enternecido do rapaz que sofria junto com ela.

Olhava pela janela do coletivo, mergulhada na noite escura de si enquanto o dia brilhava ensolarado do lado de fora. O negrume dos olhos tristes esfumaçados de sombra escondia olhos inchados de dor, Caio notou.

Despia cada verso que ela sussurrava, adivinhando a música que corria pelos fones escondidos em meio aos cabelos castanhos. Queria ser cada agudo abafado, cada grito reprimido. Abraçar os dedos que tamborilavam no joelho sem o menor ritmo. Queria se rasgar e deixar de ser timidez, renascer coragem.

Mas Caio não conseguiu. Ficou de lado, medindo o tom da voz que queria ter. Seguiu em silêncio absoluto a abocanhar cada pulsação da mulher que dividia com ele o banco, até que o inabalável "tarde demais" veio. Cada um pra seu canto, nunca mais a viu.

Chegou ao ponto final e não desceu.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Outros tantos

Agora, toda vez que ele enfia a mão no bolso, só tira cinco dedos. Ser neo-pobre: já teve um pouquinho de dinheiro e agora tem que viver na pindaíba. Profetiza que nunca vai querer saber de trocados a mais.

- Ad eternum, vou continuar fudido. O pescoço não acostuma com a pena de ganso, só fica doido pra sentir o ganso passando pela goela mesmo.

Que venham outros tantos tempos de vacas magras. E na falta de ganso, hoje combinamos de roubar galinha no vizinho.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

[Info] Você é um Falta-Letra!



Nem sabia que isso existia, muito menos que eu era. Mas ele falou batendo o copo na mesa e espirrando cerveja. E ninguém desperdiça cerveja assim, sem um bom motivo.

- Seu cretino! "Vou postar uma por semana, mimimi". Esperei quase quatro meses pra poder ler tudo. Dando F5 nesse blog de merda. Você é um falta-letra! Vou chutar seu saco! Odeio você mais que Nova Schin!

Logo depois ele começou a falar mole, disse que queria passear de carrossel, que o SBT tava acabando com a infância dele com esse remake de baixa qualidade, que iria começar um negócio de importar japonês pro Brasil, que japonês é que era gente boa e por aí foi em seu papo de bêbado.

Fiquei com o "falta-letra" na cabeça. Podia dar desculpas pra ele. Dizer que sobrou e faltou amor, que sobrou e faltou trabalho, que, porra, eu tava na Jamaica e isso por si só justifica qualquer coisa, vá. Mas eu sabia que não justificava e que tinha deixado ele esperando. Deixei todo mundo que quis me ler sem letras, mesmo prometendo palavras regulares.

Decidi então ser mais comprometido com a causa. A meta do "pelo menos 1" tá sendo mantida, todo mês publico meu guéri-guéri por aqui. E em séries por vir, vou escrever tudo antes de começar a publicar pra não correr o risco de faltar.

Nunca mais serei tão rebaixado com a alcunha de falta-letra. Afinal, um homem sem letras não pode ser um homem de todo, parafraseando Flávio.




domingo, 7 de outubro de 2012

Ir embora e o vento que corta




Malas, sempre elas, mas dessa vez não eram minhas. Ela calculava o choro na medida em que colocava sapatos e coisas dentro das abas de pano e plástico. As despedidas minavam sua vontade, reproduziam seus medos, faltas, vazios, dúvidas e carências. E no fim, as malas. Elas sempre ficam lá, se esgueirando à espera do momento de carregar as coisas pela janela.

E o vento que corta, meu amor? A secura daqui? Os dias tão sem samba? Eles vão ficar pra trás, e a cidade que é tão mais em seu coração, agora é uma realidade. É... Não. Mesmo isso não consola a dor. Os pés descalços já se acostumaram com o terreno do quintal, pisar em ovos não é bem o planejado. Flutuar enquanto dorme é a solução na casa do futuro. Os planos, tantos planos.

As lágrimas de quem fica no canto da saudade, o lábio que treme na hora do beijo no rosto. Não era pra ser assim, era pra ser mais fácil, mas o “mais fácil” não tem de pote, não vem pra hoje. Enquanto toco as notas de um jazz da calma, ela vive o desapego mais profundo, o salto do ninho. Sou o observador da dança, um passarinho. E minhas asas não se comparam às dela.

A revoada está prestes a começar. Olha bem pro horizonte. Ela vai se perder em meio aos pássaros da brisa. Está prestes a começar.



sábado, 29 de setembro de 2012

Just Drive - Parte Final (Lot of Peter Parking Lot)




PARKING LOT 
Últimos dias de Jamaica, últimos dias de carro. Depois de tantas aventuras, o Toyota Yaris azul-bonito me encara e brilha, como se dissesse um verdadeiro "foi bom te conhecer, rapaz". Desbravamos juntos todas as 14 províncias dessa ilha. Ele foi teto e foi cama, foi transporte e diversão, foi vento. Foi feito de vento. Subindo e descendo as montanhas tropicais de um país que luta desesperado pra se manter de pé. E olha só, depois de tudo isso, eu ainda não sabia o nome que iria dar pro tal carrinho.

LOT OF PETER
O dr. Rogério não era um contador de histórias, mas sabia alguns truques bons pra prender minha atenção. Me olhou com calma e começou.

- Antes de virar pediatra, eu trabalhei por quase três anos na Emergência desse hospital junto com o Peter. Dois plantonistas da noite. Nunca gostei dele. Sempre mal-humorado, sempre desrespeitando os pacientes e a própria equipe dele. Como você bem disse, um boçal. Aliás, onde você aprendeu essa palavra?
- Cavaleiros do Zodíaco. Quem é Peter?
- O desenho? É sério? Peter é o cirurgião que você não gosta.
- Eles precisam trocar os palavrões por palavras mais bobas na dublagem dos desenhos. Ele é o homem-aranha?
- Que bobagem. Mas tudo bem. Voltando. Ele era um boçal. Não tinha nenhum respeito por ele, apesar de trabalharmos lado a lado. E então...
- Tudo mudou!
- É, mais ou menos.

PARKING LOT
Apertei a mão do Patrick, o camarada que foi meu motorista na maior parte das aventuras de jornalista desbravador. Nossa missão enquanto dupla de super-heróis estava cumprida. Aprendemos um com outro a guiar as enormes diferenças entre um garoto do Brasil e um senhor da Jamaica, mas o homem calvo era um mistério ainda, e ir sem desvendá-lo é algo que vai me consumir até o fim dos dias. O olhar cansado que ele sustentava era etéreo, resoluto. O que há na alma desse sujeito? O que ele vê que não vejo?

No aperto que selou o adeus, tinha cumplicidade, tinha carinho, tinha respeito, tinha passado.

Era uma despedida que ambos sabíamos ser definitiva, daquelas em que você pára pra olhar com um pouco mais de intensidade o outro, enxergar nele o espelho que vai ficar em você. Histórias e estórias que vivemos eram tudo o que no fim se mostrava. Ele respirou fundo e colocou na cabeça o boné onde se lia "Brazil, Banana". E foi-se embora naquele passo lento, sem compasso, pra um lugar onde não vou mais encontrá-lo.

LOT OF PETER
“Numa noite de feriado, chegou o tal acidentado. Não tinha ferimentos na cabeça ou em órgãos vitais, então o pessoal da Emergência automaticamente o colocou em segundo plano. É cruel, mas a gente só quer deixar todo mundo vivo. O resto é o resto quando chove sangue na Emergência, inclusive com você, quando chegou aqui nesse hospital. Você, que gosta tanto de segredos e descobertas, foi só mais uma testemunha inconsciente da sala de operações que resgata o povo toda da morte certa. E nos feriados... O meu segredo é que eu desistia dos homens, e desisti desse sujeito assim que vi que ele continuaria respirando. Só que um dos médicos não amoleceu. O Peter. O cara tinha caído de moto e recebido todo o impacto nos joelhos. Não eram apenas fraturas, garoto. O joelho dele tinha virado farelo. A gente já estava discutindo o procedimento de amputação pra resolver a questão. E o Peter tocava a fazer exames. Sozinho, nem uma palavra com o resto da equipe. Levava o sujeito pra cima e pra baixo na maca.”

- Eu gosto de andar de maca! Cadeira de rodas pinica e vai rápido demais.
- Sua maca deveria estar presa. Vou resolver isso hoje.
- Chatão. Mas e aí?

“Aí que quando montamos a mesa de cirurgia, o Peter chega trazendo o paciente e mandando trocar os instrumentos. Nós não entendemos, ele dizia que iria operar os ligamentos primeiro, que os pinos já estavam prontos. Achei que ele estava ficando louco. Tentei segurá-lo e dizer que o certo era amputar e salvar a vida do rapaz. E ele falou 'Cresça colhões, Rogério! Você nem tentou e já desistiu!'. E começou o procedimento. Ele era o cirurgião, ele decidia. Todos estavam fervendo de raiva. Só que... Depois de quase oito horas de cirurgia, vi um homem operar um milagre. Ele reconstruiu 90% dos joelhos do paciente. Era como assistir alguém montando um quebra-cabeças dentro corpo de alguém. Ele não piscava, nada de pausas e nos orquestrava com precisão. Vi dentro dele todo o amor ao que fazia. Em cada corte, cada sutura, cada gota de suor em que ele secava com pressa. Na mesa de cirurgia ele se mostrou o maior amante do mundo. Não iria deixar dar errado.

Dois anos depois o paciente voltou a vida sem nenhuma grande sequela. Estava curado e me abraçava em gratidão. Não sabia que o homem que tinha feito tudo era o mal-encarado e grosso cirurgião que nem falava com ele direito. E o resto da equipe nunca teve coragem de admitir a falha. Pro paciente, pra si mesmos, meu Deus, eu nunca contei isso nem pra minha mulher.”

As mãos dele tremiam, meu médico era naquele momento um homem em frangalhos. Se sustentava só pelo meu olhar de compaixão. Não conseguia nem piscar ouvindo a história. O Rogério, não mais doutor, se aproximou arrastando sua cadeira para três palmos do meu rosto e, então, perguntou:

- E aí? Não quer fazer sua cirurgia com esse cara?

PARKING LOT
Quando estacionei o carro sob a paineira da locadora de veículos, meus dedos se agarraram ao volante, num espasmo da saudade que começa antes do momento acabar. Queria deixar minhas digitais naquele carro. Queria que ele soubesse da importância que teve pra mim. O que ele me ajudou a vencer, o que causou nas minhas entranhas, não tinha nome, era algo tão especial que acabava se perdendo pela falta de compreensão do resto do mundo. A genialidade muda que descobrimos em bobagens da vida. Aquele carro iria passar pela mão de outros muitos, sem nenhum significado especial, iria me abandonar, mas deixou o que precisava. Ele era o fim e um recomeço nas vias tortuosas que percorri pela ilha da Jamaica e por dentro dos meus próprios medos, era o Serafim de Mãos Trocadas, assim o batizei antes de tirar as chaves da ignição pela última vez.

***

De volta ao Brasil, de volta à minha janela. Coloquei a fita K7 no som do carro, enquanto meu pai engatava a primeira marcha. Eu perguntei a ele se já tinha ouvido falar em USB, ele respondeu que não acompanhava mais futebol, mas que sabia que meu Palmeiras tava rebaixando. Eu ri. Fiquei um tempo encarando a fita com cara de interrogação, ele disse que tinha ali aquela canção de ninar que eu adorava quando passeávamos de carro.

E assim fui escutando Lynyrd Skynyrd desfiar seu Free Bird enquanto comia o vento da estrada por milhas e milhas.

domingo, 12 de agosto de 2012

Just Drive - Parte III (Hit The Road, Dread)


"Na Jamaica, todo mundo meio que se conhece. Na minha cidade, todo mundo literalmente se conhece. É um lugar pequeno, onde o tempo não passa, com tantas curvas cegas que parece que fizeram de propósito pra gente se bater."
Usain  Bolt

ON THE ROAD

O velocímetro oscila, faróis me cegam. Descendo a montanha, o carro desliza entre curvas fechadas demais,  as mão apertam o volante. Tudo é silêncio e noite. A estrada e eu.

OFF THE LANE
Foram dois meses até conseguir sair da cama sozinho. Mais um pra andar com minhas próprias pernas. O mundo do hospital ficou então ao meu alcance, era só esticar os dedos e sentir o mar de confusão e dores humanas, esperanças quebradas e novas, vida, morte e qualquer outra coisa entre os dois extremos. Conversar com alguém que pode não estar ali no dia seguinte era minha maior angústia. Alguns tinham alta. outros não.

Alta. A palavra mágica. Minha enfermeira era baixinha e sempre ficava pensando que era esse o motivo de eu permanecer tanto tempo naquele lugar. Em cima da minha cama ficava um livro sobre peixes. Passava a noite olhando pra ele, sem me preocupar em ler. Só não queria olhar pra televisão. Você sabe quantos carros aparecem nela?

ON THE ROAD
O sol se põe no mar, sem pressa nenhuma. Consigo ouvir grilos e passarinhos o tempo todo. A vendinhas de madeira na beira da pista têm frutas de todas as cores e gostos. E também quiabo. Por algum motivo que eu não entendo, quiabo. Sempre tá lá no meio das frutas.

De vez em quando um rastafari pede carona no caminho, quase sempre paro e mando ele subir, mesmo que tenha que fazer um puta desvio pra ajudar. Sou um caronista de coração. E eles são sempre impagáveis, tem histórias absurdas envolvendo maconha, espaçonaves, árvores antigas e coisas da floresta. Odeiam Novos Baianos. E a maioria tem algum mp3 player no bolso com "gooood sounds of Salassie Jah, my brenda" que insistem em botar pra tocar, com algum reggae tão raiz, mas tão raiz, que chega a ser quase que só o som do vento na grama. Adoro essas figuras. Só fico com medo de pegar piolho.

OFF THE LANE
Ele cheirava a café e colônia, se chama Dr. Rogério e tem um sorriso que conforta. O pediatra que me conhece desde as primeiras horas de vida, o meu médico. Até hoje ainda recorro a ele. Até hoje ele me dá o "Certificado de Coragem" ao fim da consulta, afirmando que fui um bom rapaz e tomei a injeção sem chorar. Mentiroso. Até hoje escorrem lágrimas só de olhar pra uma agulha..

Depois de cinco meses esgotando possibilidades, uma cirurgia marcada. Ela me faria ter uma vida normal. Ou perder até metade dos movimentos do lado direito do corpo. Quem sabe todos os movimentos de todos os lados. Meu medo crescia como feijão no algodão: só precisava de gotinhas de água e aquele lugar era uma cachoeira de desesperos. O Rogério era a única corda de esperança, mas estava longe do alcance. Ele era apenas pediatra. Eu precisava de um cirurgião.

ON THE ROAD
Pra fazer compras são só três curvas: Trafalgar Park, Trafalgar Road, Waterloo. Cabô. Desço do carro maior e vou com o de compras pelos corredores. Encho de porcaria, volto pra casa por um caminho diferente. Vejo meninos brincando. Dá vontade de estacionar e me juntar a eles, mas não posso.

O volante esquenta com dois segundos de sol, o maldito sol, aqui sempre impiedoso e me fazendo ficar moreno-sensual. Preferia ficar amarelo e sem o calor.

OFF THE LANE
O cirurgião era um cara mal-encarado, não dava "oi" pra ninguém e simplesmente ignorava qualquer um que falasse com ele no almoço. Um boçal. Não queria de jeito nenhum estar eu, ele e bisturis na mesma sala. O calendário virou meu inimigo, cada dia que passava me dava mais angustia. Chamei, como um bom garoto que se sente adulto, o Dr. Rogério pra conversar sobre o assunto. Ele pegou um café na máquina com um sorriso no canto da boca e sentou comigo na lanchonete do hospital. Nossa mesa de reunião tinha uma tigela de gelatina esquecida, que ignoramos pelo bem da conversa de homem pra menino que teríamos.

- Seu Rogério, eu não gosto desse cara que vai fazer a cirurgia. Não pode ser você?
- Eu não sou cirurgião, Lucas. Mas vou estar lá, bem do seu lado, durante todo o processo.
- Mas ele é horrível, seu Rogério. Ele me chama de "moleque curioso", nem deve saber meu nome.
- Pior que ele não deve saber mesmo. Só que é o melhor cirurgião dessa área que existe no país.
- Vamos achar outro, Rogério. Não confio nele.

Ele me olhou durante um tempo, me avaliando. O que mais gosto no Dr. Rogério é que a humildade dele o coloca de igual pra igual pra mim. Nunca reclamou de eu não chamá-lo de doutor. Nem uma vezinha. E pra alguém que passa muitos anos estudando, esses títulos costumam ser motivo de bronca. Mas o bacana nem liga. Depois de suspirar e tomar mais um gole de café, me deu a melhor resposta de todas.

- Vou te contar uma história.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Microconto o microsegredo, microvemcá

Pensava que nunca encontraria alguém pra se fantasiar de Fred Mercury com ele na visita ao bairro do Queens. Ou quem gritasse "sou contra!" antes dele. Quando a viu sorrindo e correndo atrás do patinete, teve tanta certeza que a dúvida o cegou.

- Se ela disser algo a mais, o que eu faço? - as palavras saíram pra dentro.

Sincronizou as miniloucuras. Só de se perguntar já revelava a resposta.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Just Drive - Parte II (Learner's License)


"Para poder dirigir, um aprendiz de motorista precisa ter dois braços e ao menos uma perna. Estar acompanhado de alguém já licenciado é obrigatório. Caso o carro não seja automático ou seja da marca Fiat, o aluno só poderá dirigir em zonas rurais."
Traffic Code - Jamaica Roads and Urban Division


Pisca-alerta..........................................................................OK
Macaco que aqui chamam de Jack.......................................OK
Pneus...................................................................................OK
Cinto de segurança...............................................................OK
Freios...................................................................................OK

Pensei então estar seguro pra primeira lição de direção em auto-escola da vida. Mas, por via das dúvidas, enrolei plástico-bolha por baixo da roupa pra me sentir bem protegido. Ledo engano, diria Moacir. A learner's license é dada após um rápido exame psicológico em que o doutor avalia apenas numa encarada se você é um assassino no trânsito ou não. Passei raspando no teste, acho. Ser branco na Jamaica não é fácil. Pode parar, eu já sei o que você vai dizer. Sou moreno-sensual apenas no Brasil. Aqui, sou branco. E agora, um aprendiz de motorista.

- Mas o que exatamente é essa learner's license? - perguntei quando me entregaram a aprovação.

O funcionário do departamento de trânsito nem levantou os olhos pra responder.

- É uma licença de aprendiz. Não entendeu? Achei que estrangeiros fossem mais espertos.

O que eu tava esperando? Detran é tudo igual, seja em Cocalzinho, seja na Jamaica. Eles são cruéis e tem alergia a quem faz perguntas. Ainda bem que Jeová, em sua sagacidade, me presenteou com o Dom da Resposta Rápida.

- Tá certo, o bom é que quando eu atropelar alguém no seu país vou poder te citar como culpado no tribunal, funcionáriooooooo... (enquanto olhava no crachá do cretino) Robert Pyke.

Aí ele me olhou. E eu o esperava com o dedo médio levantado e um sorriso no rosto.


A importância da embreagem é superestimada, pensei, enquanto acelerava meu carro. Um carro azul-bonito, alugado, completamente sem-graça. Mas automático. Nada de marchas, só acelerar e frear, tal qual aqueles carrinhos de bate-bate. A sociedade ultra-pós-moderna (chamo assim os nossos tempos, já que alguém cometeu o erro de batizar primeiro de "moderno" e em seguida de "pós-moderno" algo que obviamente iria envelhecer. Babacas), seria muito melhor sem embreagem.

Descobri que só precisaria de alguém com uma carteira regular sentado ao meu lado pra dirigir, sem embreagem e com a carteira de aprendiz. Passei então a ser o Rei da Carona no meu prédio pra poder praticar. Conheci a maioria dos vizinhos assim.

Maria Claudia é colombiana, nascida em Barranquilla, e insiste pra que eu a chame de "Cabuia". Não faço a menor ideia do que significa, mas como ela é uma senhora, espero que não seja indecência. Katamouri Gon veio da Coréia do Sul e não fala quase nada em inglês. Mas fala supermarket, please?, o que pra mim é o bastante. Vanessa Soraia é, evidente, mexicana. Demorei até pegar que o nome dela é com "V", já que ela se apresentava como "Baneszoraiá" e meu espanhol é paraguaiô.

Todos eles eram vítimas dos meu favores, minhas felizes cobaias com carteira de motorista. Pra cima e pra baixo, eu os guiava. E a cada dia o volante parecia um pouco mais familiar. Porém, não menos aterrorizante.

***
Doía tudo. Mas tudo mesmo. Respirar, pensar. Doer doía. Sentia gosto de hospital na boca, aquela mistura de éter e remédios. Não consegui abrir os olhos direito. Lembro de pensar que tinha morrido, porque tentava chamar alguém e não conseguia. Não sabia que minha língua estava inchada por convulsões diversas e que meu maxilar tinha virado polvilho.

A cama virou companheira de dias, semanas, meses. Ali, mais que em qualquer outro lugar, tive tempo de me emaranhar em imaginação e criação. Meu corpo não ia a lugar nenhum, mas quem precisa de corpo? Devorava livros e livros. Fazia labirintos dentro da minha própria mente. Jogos e charadas. Aprendi a estabelecer relações e construir pontes entre quaisquer coisas. Atormentava enfermeiras com perguntas sem resposta. A mais nova pediu pra trocar de turno quando eu a olhei nos olhos e pedi com carinho:

- A morfina que vocês me dão tá me comendo por dentro. Eu fiquei assim por causa de um carro e minha cama tem rodas! Não consigo pensar direito, só quero que chegue a hora da morfina. Você podia me dar mais morfina? Até que eu não sinta nada nunca mais?


***

No meu carro azul-bonito, eu canto. Coloco a música bem alta e vou me esgoelando enquanto guio. Visito amigos, saio pra comer. De noite, o ar quente dessa ilha fica mais agradável. A cidade repousa serena, quase como se não existisse mais. Mas ainda tem alguns outros motoristas deslizando pelo asfalto. O meu momento favorito é quando emparelho com eles no semáforo fechado. Olham pra mim enquanto eu danço e canto. E eu me sinto superior por saber que é muito bom estar sobre rodas e não ser em uma cama.



sábado, 2 de junho de 2012

[INFO] Quatro rodas

Vivemos em rodinhas, não é? Especialmente sobre quatro rodinhas. Do carrinho de rolimã ao conversível que compra na meia-idade, o homem tá aí, deslizando.

Por mais que tente fugir, o automóvel te rastreia. Ele tá lá, de tocaia. Escapei em Brasília, com dificuldade. Quem é de lá sabe que viver naquele quadrado, sem rodas, é morrer tentando.

Mas o carro me encurralou aqui, na Jamaica, ao som de Jimmy-Cliff0-Rastafari-Ya-Man! Aqui não há jeito. Simplesmente não há. Vou explicar de uma forma simples. Pense em alternativas pra viver sem carro, usa aí sua imaginação. Várias. Pensou? Então, nenhuma delas funciona aqui. Sim. Incluindo carrinho de rolimã. Eu tentei.

Forçado a sentar atrás do volante, enfrentar medos e preconceitos, acabei metido em coisas interessantes. Boas e ruins. Sei lá, é isso de aprender com a vida, né?

Toda essa balela foi pra dizer que com essas experiências, vou dividir com vocês mais uma pequena série de crônicas chamada "Just Drive", aos domingos. Três partes, talvez uma quarta aí, que tamo negociando com o tempo.

O blog tá crescendo em número de acessos a cada postagem, mesmo sem nenhuma publicidade ou divulgação além do post único nas minhas redes sociais e do seu compartilhamento. Então te devo um "valeu, chapa!".

Só texto, nada além de texto, e centenas e acessos. Nem um design elaborado eu criei pro blog ainda. Então, vá. Pode se emocionar. Tem beleza nisso, a gente sabe.


Just Drive - Parte I (Emergency Driving School)


"Eu só queria um yakissoba. Mas na Jamaica é tudo um pouco mais fácil e muito mais difícil."
Ian Fleming - Memórias


Passa das 23h e eu já estou deitadinho na minha cama, meio dormindo/meio lendo um livro, meia calabresa/meia muzzarela. Pijama no corpo, dentes escovados. Óculos de ficar em casa. Só a luz do abajur espalhada no quarto, um farol no mar do sono. Tudo tão tranquilo, tão calmo, tão...

Toca a campainha. Me sento de uma vez na cama com o susto. Espero, passam alguns segundos e nada. Deve ter sido engano. Por favor, que seja engano. Mas toca a campainha de novo e dessa vez por um longo tempo. Calço os chinelos. Puto, xingo o inventor da campainha. Desço as escadas e pego o interfone.

- Hello?
- MISTER LUC.. (estática)... TACK, HE NEEDS HEL (estática)... HURRY! QUICK, MAN QUICK!
- What the...? Come again.
- A MAN... (estática)... HEART ATTACK (estática)... MOV YA CAR, YA SEE?! NOW! NOW!

Caralho, alguém tá tendo um infarto! Preciso tirar o carro da vaga, é isso! Ambulância não tá conseguindo chegar no cara. Cadê a chave?! Cadê o diabo da chave?!

Pego tudo e saio correndo, larguei o chinelo dentro de casa. Os pés descalços no cimento fazem barulho de galope. Passo pelo portão e já vou pro estacionamento. Mas não tem nenhuma ambulância. E mesmo se tivesse, não faria sentido eu mover meu carro, percebo. É a última vaga, jamais atrapalharia qualquer passagem. Daí chega a porteira e diz, com pânico nos olhos:

- HURRY, MISTER LUCAS! THE GUY IS DYING! HELP ME, GRAB HIS ARMS!
- Calm down! Where is the ambulance? I'm not getting this hole thing.
- There is no ambulance! I called you to take him to the hospital, ya see! There are no ambulances in Kingston between 23h e 4h, man!

E aí foi a minha vez de gritar:

- WHAT THE FUCK?!

***

Eu tinha sete anos. Tava sentado no banco de trás do carro, brincando com um boneco do Comandos em Ação. Minha mãe dirigia, me levando pra casa da irmã. E de repente uma força me puxa o corpo inteiro pra frente, nenhuma chance de resistência. Só muitos anos depois, no estudo das leis da cinemática da Física, fui saber o nome daquela força. Na hora eu só senti o seu poder. A última coisa que lembro é da expressão de pavor da minhã mãe e da coluna que sustenta o teto do carro, aquela perto do motorista. Depois, blackout.

Acordei em um hospital. Doía tudo e doía muito, como se eu tivesse sido arremessado pra fora de um carro, voado por metros e só sobrevivido por ser leve e cair em um ponto milagroso de grama e arbustos. E, bom, era exatamente isso. Descobri que não conseguia me mexer. Eram tantas fraturas que imobilizaram o corpo inteiro, inclusive o maxilar, que quebrei dos dois lados. Do lado da cama estava meu boneco do Comandos em Ação. Sem a cabeça.

***

O homem é um desses britânicos rosadinhos, com cara de quem vê programa de praia na TV vestindo uma minisunga azul bebê. E pesado. Jogo ele no banco do passageiro. Sento no meu banco, ligo o carro, mas tô tão nervoso que demoro quase dois minutos pra tirar da vaga. Ele grita de dor do meu lado, manda eu me apressar. Tento achar a embreagem, lembro que meu carro era automático e que não tem embreagem. Saio cantando pneus do prédio, quase acertando dois carros no caminho. Ele grita comigo.

- WHAT ARE YOU DOING?! TURN THE LIGHTS ON!
- Calm down, ok? I'll do my best!
- WHA... WHAT??? YOUR BEST?!
- I don't drive. Now shut up.
- I  CAN'T BELI...
- SHUT UP! I DON'T DRIVE! WANNA MAKE THIS HARDER?!

Ele, em meio ao infarto, berra as direções. Entro na avenida principal acelerando. Ele fica mais desesperado, tentando falar comigo. A voz sai num fiapo estrangulado, assustador, muito mais que os gritos.

- You're in the wrong way... guffff... British... grrrfff

Mão inglesa, cacete, na Jamaica é mão inglesa! A 80km/h na contramão, o suor frio começa a escorrer. Fico mais desesperado. Não vejo um retorno, um jeito de ir pro lado certo da pista. Ele recomeça a gritar, me manda parar o carro. Vejo um carro da polícia, buzino como um louco. Ele vem rápido, já ligando a sirene.

Paro o carro e explico, ou melhor, aponto por enfartando enquanto deságuo uma mistura de inglês, português e espanhol. Eles entendem, levam o homem pra viatura e somem na noite silenciosa de Kingston. Só o discreto som do motor do carro ligado. Sento no meio-fio, mãos tremendo e olho pra ele. Azul, japonês, imponente. É um carro bonito. Mas só de pensar em entrar nele de novo me dá um calafrio. Ainda assim eu vou pro banco do motorista, sento, e tento telefonar pro Brasil. Ela não me atende.

Fecho a porta, dirijo a 10km/h até meu condomínio. Nem tento estacionar, largo o carro ocupando duas vagas. Desligo e tiro a chave da ignição. E antes de sair, encaro por um segundo a maldita barra de sustentação do teto, aquela que fica perto do motorista.


sábado, 19 de maio de 2012

parecia tão real




Você estava tão alegre. A covinha no queixo aparecia mais com a felicidade estampada no rosto. Cada pulo que dava de uma pedra a outra era um sorriso. Até cair nos meus braços e gargalhar com vontade, enquanto minha coluna duelava com a gravidade pra manter todo mundo na vertical. É claro que fracassou, caímos na grama.

Mas antes da queda, meu coração perdeu uma batida. Aqueles poucos segundos te segurando no ar tiveram uma mágica que não acaba nunca. Seus cabelos pretos esvoaçando as ondas pelo vento. Os braços firmes agarrando meu pescoço. A risada ecoando, saltitante. O calor do sol nos nossos corpos, a brisa que corria pra compensar. Quando acertamos o chão...

Era noite e eu dirigia pra casa pela praia. Desliguei o rádio e abri a janela pra escutar o mar fazendo as ondas. Coloquei a mão esquerda pra fora, fiz ondas com ela também. O vento destruía meu cabelo e ardia em meus olhos,, mas eu não ligava. Cheguei, no elevador e o telefone tocou. Era você:

- Já-tô-subindo. Qual a situação?
- Ainda bem, é alerta vermelho. Não sei o que deu nele hoje, mas nem com todas as minhas energias eu consigo segurar.
- Fantasia?
- Homem-aranha. Pegou o fio dental e diz ser teia, joga o negócio pra todo lado. Higiene bucal garantida, pelo menos.
- Deixa comigo.

Abri a porta e dei de cara com o super-herói, que já inquiriu:

- Vilão ou mocinho!?
- Mocinho! Sou o Capitão de Terno. Vamo atacar a mamãe malvada? O umbigo é o ponto fraco.
- Vamoooooo!

E você não teve mais paz até às 22h30, quando levei o garoto pra cama e contei estória até ele dormir. Na hora em que voltei pra sala e deitei no seu colo, ganhei um beliscão. Mas o sorriso reprimido no canto da boca te denunciava. No que olhei pra janela...

A chuva estava tão forte que calculei: um segundo debaixo dela era o bastante pra ficar encharcado. O táxi chegou e a pequena corrida até ele demorou meio segundo pra desmentir minha teoria. Meio segundo foi o suficiente pra me deixar encharcado. O taxista não se incomodou, foi tocando o carro. Disse pra eu comprar um guarda-chuva e amarrar no braço.

- Por que amarrar?
- Guarda-chuva foge, não sabia?

Parou o carro e só então me dei conta de que não sabia pra onde estava indo. Quando ele freou em frente a uma casa, você estava no portão me esperando. Desci correndo e entrei ainda mais molhado, te agarrando pela cintura.

Sua mão segurou na minha e me deu calor. Disse que não era justo só um ficar molhado. pulou pra dentro da chuva e começou a dançar, me levando de volta pra calçada. Perguntou se eu ainda sabia todos os passos a nossa dança, mas não esperou resposta. Girou ao meu redor e fez dos pés borboletas.O corpo molhado colou no meu enquanto os lábios sussurravam:

- Ainda bem que você sempre esquece seu guarda-chuva.

***

Acordei com o peito pesado, porém me vesti pensando nas tarefas do dia. Peguei minhas chaves e sai, supostamente pronto pra tudo. Mas bastou uma pergunta pro meu disfarce cair. Joy, minha porteira, leu nos meus olhos que tinha alguma coisa diferente aquele dia.

- What's happening, boy? Are you ok?
- Ah, Joy. Parecia tão real... - respondi.

Ela não sabe nada de português. Mas acho que entendeu perfeitamente.



segunda-feira, 2 de abril de 2012

Ondas curtas, Oceanos




- Ainda uso os sabonetes que sua mãe me deu.
- Aqui só chove.
- Seu regime é militar, meu amor. Aqui em casa é anarquia.
- Melhor do que ser um Czar. Me conta uma história?
- Eu não tô com sono. Juro. É só que meu olho gosta mais de ficar fechado.

- Quero entrevistar o moço que toca o violão de uma corda só.
- Aqui fica tão vazio sem você.
- Eu acho que ele precisa mesmo é de um baixo.
- A gente deveria ter ido tomar sorvete aquele dia.
- A minha janela daqui tem um pedaço faltando. Você. Sempre falta você.

- É amar em fusos.
- Eu não tava posando pra foto, pára!
- Vou ter que ir aí passar protetor solar na sua cara, é isso?
- Ontem eu subi uma montanha. E isso não é uma metáfora.
- Vou ali ver o bebê. E não vem com essa de sentir ciúmes dele.

- Você gosta de escola de samba?
- Ele está lá, meu amor. Não se mostra, mas está. Em todo o lugar. Eu só quero que ele vá embora.
- Nunca lembro dos meus sonhos, é por isso que os seus são tão reais pra mim.
- Ainda quero, ainda vou.
- Comeu direito? Se ouvir KFC, você tá frito.
- As long as I stay in this river named Distance, the suffering will hold me by the hand and call me "brother".
- Nunca fiquei com tanta vergonha.

- Eeeei! Eu também sou Rodrigues!
- Existe alguma chance de você estar entrando em depressão, querido?
- O mais bonito nascer do sol da minha vida.
- Príncipe pode?
- Doce, não. Talvez você, escrava da glicose. Mas eu? Não, eu não. Doca, não doce. Doca.
- Fui em Pirenópolis comprar potes de barro.

- Vamos dançar assim quando eu voltar!
- Já tô aprendendo a cozinhar.
- Se a dor superar o amor...
- Tem chocolate? Só precisa ter chocolate.
- A água fria fazia a gente encarar qualquer coisa. A raiva virava determinação.
- Tem sim, precisa dar um nome pra ele.
- Eu prefiro você ao vivo.
- Para de bobagem.

- Os meus lençóis já aprenderam português de tanto eu falar de você. As paredes já sabem soletrar seu nome. Minha cafeteira não aguenta mais as histórias repetidas que eu conto sobre a gente.
- Vai passar rápido.
- Vai sim.
- Eu te amo tanto que o meu peso diminui a cada conversa. Essa linha corta as coisas. Ficam pedaços de mim pelo caminho.



sexta-feira, 23 de março de 2012

Florida e Flamingos


O vagão balançava e eu escutava os toques dos telefones celulares surgem aqui e acolá o tempo todo. No meio da multidão anônima, consigo ouvir de tudo. Chopin, hip-hop, toques antigos, sapos coaxando. Nada daquilo era música, na verdade. Lembranças ou marcas registradas, apenas. Pessoas querendo mostrar que gostam de Chopin. Ou que queriam lembrar de Chopin quando o celular tocasse. Ou que queriam que a lembrança de Chopin as lembrasse de algo mais, do passado vivido e dos medos superados, uma corrente de pequenas memórias particulares. E o mais comum eram aqueles que nem sequer se preocupavam em escolher direito um toque pro seu aparelho.

Garotos sorridentes no ônibus, um deles comia um saco de Skittles com a voracidade de leão atacando zebra na savana.

Na mesa da frente, vi um homem terminar seu almoço e aplicar uma injeção de insulina em si mesmo, enquanto conversava com a sua esposa. Ele faz tudo com naturalidade, como se estivesse consultando as horas no relógio. Seringa, algodão, antisséptico, espetada, pressão, pronto. É lindo.

Um homem branco, protestante e conservador sempre está lá pra dar bom dia e apertar sua mão. Autoestradas, autoestradas, autoestradas. Você vira à esquerda na I-4 e depois corta pela USS-192, passa por três rodoaneis e já chegou. Um velhinho estava sentado em uma cadeira de balanço na frente da sua pequena prisão suburbana, aqui eles costuma chamar esses lugares de casa. Nos torneios de wrestling, os garotos se engalfinham. E lá estão os pais, homens de bigode que não usam bigode por acharem o bigode uma nova onda cool. Eles usam bigode por uma condição social que permite apará-los com uma precisão cirúrgica. Aqui o bigode é uma questão de méritos e princípios.

Eu fico entre a cidade mágica e a pobreza do país, o desemprego e as dores de uma crise financeira que nunca me interessou muito, apesar de ter sido empurrado em direção a informação. Bolhas imobiliárias que estouram, essas coisas. Nada me afetou diretamente, peguei marolas. Eles não.

O desânimo vem em lufadas ainda não controladas. Em quartos de hotel que não tem um pingo de vida, em várias coisas que dão errado. O calor consome as energias e as horas. E tem horas que ser paciente é só outro jeito de esperar a morte chegar.

São pessoas falando português e comida da casa da vó: uma ilusão de ótica do país de onde eu vim. Entre tantos outros homens que fazem churrasco e feijão, um deles fala oito línguas e só está aqui porque cansou de ser empresário.

O meu cinegrafista veio do interior de São Paulo, mora em NY, tem idade pra ser meu pai e diz só estar "comendo grama de vez em quando pra disfarçar a esperteza". É um cara engraçado, competente, mas nitidamente entediado com o nosso trabalho. Não dá pra culpá-lo. A nossa tarefa é complicada, porém não de um jeito que instiga. Apenas obstáculos.

Flamingos de borracha. Flamingos na estrada. Em todos os lugares. Lembro da moça do pijama de Flamingos e rio sozinho enquanto aceleramos na highway. Eu vou embora e nem vou poder dizer se existem flamingos de verdade nesse lugar. O sol relfetido no asfalto cega. Não consigo ver nada,. Não consigo ver nada.

[este post foi escrito num espaço de três dias, de 23/03/2012 até 26/03/2012, sofrendo acréscimos e modificações]

terça-feira, 20 de março de 2012

Retrovisores




Por acidente, tocou em um dos retrovisores. E lá estava tudo o que não via por um ponto cego. Muita coisa mudou. Mas não tudo. Não ainda.

Era tanto amor, tanto. Onde é que ele foi parar? Desceu pelas escadarias de erros em um belíssimo espetáculo de efeito dominó. Linhas trêmulas não aparecem em textos digitados, então não sabe precisar o que sentia quando tudo aconteceu. Em suas palavras leu raivas controladas e descontroladas. Leu inseguranças de menina. Mas não consegue confiar em suas avaliações. A memória é traiçoeira, às vezes não faz nada além de labirintos. Sabe sim a opinião que tinha sobre si na época. Se sentia tão madura... Só o tempo muda coisas como a arrogância da juventude.

Era uma mulher de dor se levantando. Agora é uma daqueles moças que a gente julga clichê, que fala do amor em detalhes. Amar demais, amar de menos. Amores esquecidos que ainda trazem lembranças boas. O amor antigo. Ainda? Não há mais. De repente não estava mais lá. Que estranho. Jurou que ele jamais a abandonaria. A dor em seu lugar, agora não mais escondida. Milhares de amores novos também. As mentiras só aparecem em trivialidades, em ficções expostas. O amor de antes passou, sempre diz com naturalidade.

Mas não percebe que repetir as palavras só dá margem às dúvidas dentro de si. Os retrovisores enganam, os olhos também. E as pequenas verdades sobre si mesma continuam quebradas como os vasos que ele derrubou ao sair pela porta.



quinta-feira, 8 de março de 2012

masculinos desesperados


No supermercado, Cilene e Robson caminhavam pela seção de cosméticos conversando sobre o duelo de gêneros. Ele precisava de shampoo. Ela, precisava descontar a raiva adquirida depois de ler Jane Austen. "Orgulho e Preconceito". Ele, não. E por isso ela ficava mais ameaçadora em cada argumento.

- Você então acha que mulheres estão em pé de igualdade com os homens hoje!
- Honestamente, não sei. Mas acho que novela é um dos maiores problemas de vocês.
- Como?
- Não sei você, mas acho Manoel Carlos o maior machista do país. Todas aquelas novelas em que você vira Helena, cheia de sofrimento e dor morando no Leblon, em uma saga carioca de superação. Você é Christiane Torloni pro nosso lado, Cilene. É Regina Duarte. Credo, você é Suzana Vieira. Mas não é privilégio de vocês. A gente também tem dessas.
- Não acredito nisso. Homens não sofrem com estereótipos como nós.

Robson estacou com o carrinho de compras. A couve sacudiu perigosamente na beirada, entre o cereal matinal e a garrafa de Pepsi, com o tranco da parada brusca. Em seus olhos estavam a mágoa e frustração de um homem ofendido.

- Não, não. Acho que você não sabe. Não consegue ver, não. Então vou te falar. Vou sim. Por que... Eu? Eu, Cizinha, sou o descamisado que corre atrás de uma bola na grama. Eu sou o amante da cerveja. O mecânico, eletricista, pedreiro. O carregador de peso. Eu sou o que odeia filme francês, coça o saco e cospe em canapé. 

Começa a caminhar com veemência em direção a Cilene, que dá passos pra trás, assustada. Robson aumenta o tom de voz.

- Eu sou o que não pode ter medo de rato. 

Com os dentes cerrados de ódio.

- O que adora carro. O responsável por desentupir a privada. O aficionado por revista. De. Mulher. Pelada.

Gesticulando  loucamente, agarra um produto da prateleira e grita, desvairado, apontando pra si e para o vidro em suas mãos.

- Eu, Cilene Xavier, não sou Robson. Aaaaah, não, eu não sou! Eu sou o shampoo 2 em 1, Clileninha do meu coração! O SHAMPOO 2 EM 1!

                                                                     ***

Como bom homem solteiro que consegue economizar um trocado, contratei uma diarista pra me ajudar com a casa. Tava uma zona de guerra aqui. Calças brigavam umas com as outras no chão do quarto, louça se atracando na pia, gritos, terror, sangue e pânico. Daí resolvi chamar a Doreen, indicação de um vizinho. Nunca tive empregada na vida, então não sei como me portar perto dela. Pedi desculpa pela bagunça. Mas ela não ligou, Doreen não ligou. Deixei um tênis em cima da mesa e fui fazer minha entrada ao vivo rezando pra ela me perdoar por dar trabalho.

Quando voltei, o tênis estava lavado. Opa! Achei aquilo divertido. Na segunda vinda de Doreen deixei, como quem não quer nada, uma receita de torta em cima da mesa. Ela pegou discretamente, deu uma olhada e duas horas depois bateu na porta do escritório pra dizer que a torta estava pronta.

O meu equipamento de envio de matérias pro Brasil está dando problema. Alguma coisa na rede de geração, as portas de upload não estão funcionando direito, tem alguma coisa a ver com o software não estar configurado corretamente, mas chequei todos itens e não encontrei nada, nem mesmo um plug fora do lugar.

Vou deixar em cima da mesa que amanhã a Doreen vem.

domingo, 4 de março de 2012

retalhos de uma amizade que não vai




Um minuto é tudo o que se precisa, não acha, minha amiga?

Pra lembrar de um momento mágico, porque a saudade é a prova de que valeu a pena. É o que falta em cada pedaço do que a gente acha que sentiu, mas foi tão rápido... Será que senti? É o tempo que leva uma crise de riso sem sentido algum, e é por isso que elas são tão boas. E você sabe disso. É a sensação estranha e gostosa de que você não pode segurar nenhum segundinho, e decide estender a diversão ao invés de parar o tempo, porque evitar o inevitável é perda de tempo.


De um momento em que você vai a qualquer lugar que queira, porque a distância é uma barreira subjetiva que você vence quando quiser, mas é claro que alguém sensato não acredita nisso. É a forma chata que seu despertador encontra pra dizer a você que são 6h15, e se você não correr logo vai se atrasar pra qualquer coisa importante (ou não) que tenha que fazer, porque pessoas importantes fazem coisas importantes.


É a felicidade em si, em sua simplicidade estonteante, porque felicidade não é nada além de uma colcha de minutos costurados que te aquece a cada dia. Os bons minutos em sua pele.

Têm sim coisas que me prendem aqui. Você é uma delas. Você é um longo minuto.




** Este texto é o resgate do original de uma mensagem escrita em 06/01/2007



domingo, 12 de fevereiro de 2012

[INFO] Blog do Passaporte

Hoje eu comi churrasco! Mas, apesar disso ser muito importante pra mim, sei que vocês tão nem aí. Tudo um bando de ingrato. Mas ok, tá tranquilo. Não vim aqui falar do churrasco. Que tava ótimo, por sinal. Obrigado por perguntar. Só queria contar que tem um novo blog rolando. E que tinha lagosta também, lá no churrasco onde eu tava. Deixa pra lá, você não quer saber.

O blog é o do Passaporte SporTV, projeto do qual faço parte. Lá eu vou escrever de vez em quando também, mas sempre especificamente sobre meu trabalho aqui na Jamaica. Sou eu escrevendo num blog, então vai sempre ser como aqui. Só que lá, entendeu? Não? Eu explico. Tinha molho rosê pra comer com a lagosta. E churrasco de filé mignon, mano!. É, poxa, na Jamaica. Misturei umas sete línguas diferentes com vinho, conversando com a rapaziada lá. Ficou batuta.

Pra ler lá o blog do Passaporte você clica aqui, e vai achar textos não só meus, mas dos outros dez jornalistas do projeto Passaporte SporTV. Se quiser ler só o meu, tá, eu deixo, você clica neste daqui. Comenta lá, se puder, tá? Vale me xingar. Com argumento, por favor.

E o churrasco, puxa vida, que churrasco. Te falei que tinha lagosta?

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Dados


Esse meu blog está autobiográfico demais.

    Certo, então tem o Juca. O Juca é um camarada que não sabe viver além do jogo de dados. É estranho ao primeiro olhar, mas você acaba se acostumando. Tem um ar de cafetão ao redor dele, apesar da camisa xadrez e ausência de prostituas nas cercanias do seu trabalho. O constante chacoalhar dos cubos dentro do bolso, o movimento das pedrinhas marcadas pulando. Para cada escolha que ele faz, os dados são lançados. Plic, plic, plac. Os números aparecem, o rapaz soma tudo e decide. Se der número par, ele segue em frente. Ímpar, tem zica.

     Complicado, diz você. Eu acho simples de doer. O Juca pelo menos sabe onde é que isso vai parar. A maioria, amigão, não faz a menor ideia.


    Quantas vezes você foi pedir salada e, de repente, seus lábios disseram a garçonete “Bisteca! Eu mesmo mato o bicho se precisar. E pode caprichar no molho, ou eu te pego lá fora, vadia”? Ou viu  um pai dar bronca no filho já pensando no carro de controle remoto pra curar a pirraça? A gente pensa que vai terminar o namoro e fala pra ela que quer pegar os convites do casamento na gráfica, jovem. Não canso de comprar doce e lembrar só que não posso comer.

    Existe um mundo de mal-entendidos, decisões capengas ao redor do Juca. Por isso ele não aceita desaforo sobre seu jeito de tocar a banda. Ele viu que a gente só se engana confiando no cérebro (ou em qualquer outro orgão) pra decidir as coisas. Ontem ele me falou durante o jantar:

    - Meu parceiro, nunca me arrependi do que os dados me mandaram fazer. Confio neles. Você pode dizer o mesmo de todas as suas escolhas balanceadas em bom-senso e o caralho todo?


     Fiquei quieto. E roubei um dos dados do meu Banco Imobiliário, por precaução.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Pistas

Tchuploc, tchuploc, tchuploc. Meus pés vão batendo sincopadamente pela pista. O vento corta o meu cabelo em partes desiguais enquanto ganho velocidade. Correndo, viro o que minha cabeça descompensada produz. E ela é inteira de vento.

Agora tem isso de me adaptar em uma cidade nova... É estranho pensar que eu sinto saudade de casa. Bom, agora essa cidade é a minha casa. Procuro as pistas que me lembram de onde vim. Sinto o cheiro do sal o tempo todo, umidade em meus pulmões. O som do mar que arrebenta não me desfaz o medo do que há por vir. Medo de descobrir o que está. Vestígios. Tem música nas ruas. Mas eu não ouço nada.

As águas são mais fundas, mas nha!, eu não vim assim tão despreparado. Dá pra ficar mais calmo, mais seguro.

Tchuploc, tchuploc, tchuploc. Tem sol com chuva caindo sobre mim. Existe pista mais misteriosamente bonita que essa?

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

[INFO] atropelamentos pegaram esse blog. traz o desfibrilador!

Então, gente, estou numa enrascada. Sabe quando teve aquele estouro de manada de gnus no primeiro Rei Leão? Aquela que matou o pai do Simba? Pois é. Tem uma manada de gnus passando na minha vida e, eu enquanto macaco velho que escreve, acabo desaguando meus problemas em vocês, hehe.

Bom, pros leitores que não futucam meu facebook (e acho até mais legal vocês continuarem assim), bem agora eu tô morando em Kingston, Jamaica, desde o início deste mês. E aqui vou ficar até o dia 31 de Agosto, trabalhando como repórter correspondente do SporTV. Legal, né? É, eu sei!

Daí que essa é a manada de gnus vai fazer com que minha vida de escritor fajuto fique conturbada. Quer dizer que não vou escrever mais aqui? Não, claro que vou continuar escrevendo. Só não faço ideia da periodicidade. Quer dizer que vou escrever sobre a Jamaica? Também sobre a Jamaica, afinal é um lugar interessantíssimo. Quer dizer que vou ficar famoso e esquecer de vocês? Sem dúvida.

Sei que vocês, meus 15¹/2 leitores, vão me entender. Tem um texto já pronto que publico hoje ainda. Ele foi escrito quando me mudei de Brasília para o Rio de Janeiro, no ano passado, e tinha decidido não publicar porque achei chué demais. Mas ele se encaixou tão bem com a minha mudança pra cá que resolvi desengavetar o troço.

 E vou tentar fazer mais uma série de contos como Magnólia lá pra frente! A ideia já está sendo trabalhada, acho que só depende do meu tempo livre de agora em diante. E vejam o SporTV! Logo, logo vou aparecer lá com materinhas sobre o esporte na Jamaica e cercanias.

Hasta la vista, bebê.

ps.: Quando você olhar pro seu relógio, saiba que na Jamaica será 3h mais cedo.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Vem de um, vende dois




Era de água. Um copo de água. Dois goles depois voltou a ser apenas copo.
  - E enquanto o calor desse lugar suga meu corpo, fico nessa de devanear coisas sem propósito.



segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Quases

Rafael é o dono da ótima padaria do meu bairro. Acorda cedo, sempre com um plano. Amassa sua farinha, leva fornadas de pães de queijo para o balcão onde estão seus fregueses, felizes e famintos pelo prazer de devorar algo que deu muito trabalho pra outra pessoa fazer. E é o brilho assassino no olhar dos que chegam o maior temor do padeiro.

Ele sofre de pesadelos terríveis. Está assando um sonho (ahá! pega essa ironia) delicioso, o cheiro é inebriante. Saliva na porta do forno enquanto espera. De repente, estrondo. Corre pro balcão e vê, com os olhos arregalados, a horda de clientes famintos que invade seu estabelecimento comercial, honesto, com alvarás em dia e que contribui para elevar a renda per capta do país. São dezenas, centenas que entram. Zumbis clamando por confeitos. Eles têm veias saltadas no rosto. Passam por cima de Rafael, comem o sonho, comem tudo. Até o próprio Rafael, com açúcar mascavo. Trágico e sangrento.

É claro, apenas um pesadelo cruel. Rafael esconde ele pra si. Leva a vida numa boa, trabalhando muito, acordando cedo e dormindo tarde pra padaria funcionar bem e deixar todos felizes. Afinal, ele não que criar inimizades no bairro. E por via das dúvidas, deixa um estoque de sonhos prontinhos na dispensa, junto a explosivos, armas e uma rota de fuga que termina em Tijuana, México.

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Nádia espirrou enquanto dirigia, quase atropelou uma senhorinha que caminhava pela calçada, mas se recuperou a tempo de jogar o carro pro acostamento. Ficou ali, estática. A senhora, aparvalhada, sentou-se no chão mesmo, ao lado do carro. As duas mulheres se encaram. Estavam a um espirro da tragédia. Nádia desfez o efeito hipnótico da cena por um segundo, quando sacudiu a cabeça e colocou as mãos trêmulas no volante. Mas antes de partir, um movimento a deteve. A senhorinha caminhou na direção ao carro. E estendeu um lenço pela janela aberta.

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Há dezoito anos Anselmo atira aviõezinhos de papel do terraço do prédio. Começou com uma brincadeira de criança, agora é uma obsessão. Anselmo tenta acertar a janela da vizinha. Os aviões são feitos de cartas de amor. Elaborados como uma perfeição aerodinâmica de palavras delicadas e um desejo ardente de tê-la sob seu corpo, nua.

Porém, a janela dela fica a quase oitenta metros de distância. Os aviões morrem na calçada, nem ao menos passam perto. E essa é a desculpa que Anselmo usa pra si mesmo quando se olha no espelho, e sua consciência o castiga por nunca ter falado com ela.

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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto