Existe uma mandala que os tibetanos costumam fazer. Com milhares de grãos de areia colorida, eles trabalham semanas, meses. Grão a grão, formando uma imagem linda, cheia de vida. O primeiro exercício é a paciência.
***
Dário viveu durante anos apenas suportando. Sabe que existem preços etiquetados em quase todos. Pais, mães, irmão e avôs. Sua mulher tem preço, meu filho vai ter. São escravos do pagamento, da conta que vence, do biscoito sem glúten que as crianças morrem se não comerem.
Era um desses. A gente reconhece logo. Camisa de linho, peito que aguenta até a pior das ofensas, se as ofensas vierem de cima. Tentei telefonar, mas o amor próprio dele cancelou a linha. Nunca encontraram, nem mesmo no Google. Tenho medo de Dário por ter medo de me tornar o Dário. Uma vida a prestação.
Nunca foi tibetano, mas lá estava sua capacidade de esperar. Grão a grão, a galinha ia. De atendente a vendedor, de vendedor a gerente. Os sonhos minguando, mas o ordenado subia um pouquinho junto com o salário mínimo. A esposa sofria observando seu querido homem se desfazendo ao vento em contra-cheques.
- Você não merece isso! Ser humilhado por alguém só porque é quem paga suas contas?
- Não. Mas a luz vence amanhã, mulher. O que eu faço?
A prisão dentro de si.
Até que seu pote transbordou, como sempre acontece em vidas assim. Se recusou a fazer um balancete falso para o chefe, e ouviu um "vou lembrar disso!". A ameaça velada mais clássica do cinema americano. Observou a ameaça com interesse. A raiva subiu. Se levantou da cadeira e olhou fixamente nos olhos do facínora.
Em sua cabeça, tudo correu. O ódio de ser submetido a qualquer vontade. Pensou em lembrar o chefe de quando ele roubou suas melhores ideias e as registrou no nome da companhia. Quem sabe refrescar a memória de todo trabalho que ele fez e que não era sua função. Ou todas as grosserias, todas as respostas atravessadas. O estupro de consciência que é continuar em um lugar onde tudo está errado, onde a exploração e o desrespeito mandam. O medo do desemprego.
Como se o desemprego fosse um caçador voraz, como se rebelar-se contra o café pequeno de serviços fosse o certo. Como se a demissão fosse desistência. Olhou pelo escritório e viu tantos colegas assim. Pela janela, outros prédios comerciais. Quantos assim? Quantos escravos de um ordenado desgovernado. A locomotiva dos empregos de merda estava lotada. Voltou para os olhos do chefe, agora sem mais medo. Se sentou.
- Vou pedir um café. O senhor também quer um? O Jarbas disse que é o melhor da rua.
- Termine o balancete como EU TE MANDEI. Dá pra fazer logo?
- Sim, senhor.
Sentiu seus braços darem a volta no banco da locomotiva. Aquilo agora é Dário. Ele vai até o fim da linha.
***
A mandala tibetana termina depois de muito esmero. Seu dono, o artista criador, toma alguns momentos para contemplação. Olhando a obra concluída, medita sobre cada grão, cada esforço. Junta tudo nos olhos, admirando seu trabalho. Depois sorri. E com uma vassoura, joga tudo aquilo ao vento, desfazendo em segundos sua arte. O exercício do desprendimento.
Sempre é possível escapar e fazer algo melhor, algo novo. O que passou não tem tanta importância quanto o que vem. Há beleza nisso. Nenhuma tortura vale a pena, nem mesmo a da vaidade sobre seu melhor trabalho. Não é sobre o destino, é a jornada em si.
Sempre é possível escapar e fazer algo melhor, algo novo. O que passou não tem tanta importância quanto o que vem. Há beleza nisso. Nenhuma tortura vale a pena, nem mesmo a da vaidade sobre seu melhor trabalho. Não é sobre o destino, é a jornada em si.