quinta-feira, 8 de março de 2012

masculinos desesperados


No supermercado, Cilene e Robson caminhavam pela seção de cosméticos conversando sobre o duelo de gêneros. Ele precisava de shampoo. Ela, precisava descontar a raiva adquirida depois de ler Jane Austen. "Orgulho e Preconceito". Ele, não. E por isso ela ficava mais ameaçadora em cada argumento.

- Você então acha que mulheres estão em pé de igualdade com os homens hoje!
- Honestamente, não sei. Mas acho que novela é um dos maiores problemas de vocês.
- Como?
- Não sei você, mas acho Manoel Carlos o maior machista do país. Todas aquelas novelas em que você vira Helena, cheia de sofrimento e dor morando no Leblon, em uma saga carioca de superação. Você é Christiane Torloni pro nosso lado, Cilene. É Regina Duarte. Credo, você é Suzana Vieira. Mas não é privilégio de vocês. A gente também tem dessas.
- Não acredito nisso. Homens não sofrem com estereótipos como nós.

Robson estacou com o carrinho de compras. A couve sacudiu perigosamente na beirada, entre o cereal matinal e a garrafa de Pepsi, com o tranco da parada brusca. Em seus olhos estavam a mágoa e frustração de um homem ofendido.

- Não, não. Acho que você não sabe. Não consegue ver, não. Então vou te falar. Vou sim. Por que... Eu? Eu, Cizinha, sou o descamisado que corre atrás de uma bola na grama. Eu sou o amante da cerveja. O mecânico, eletricista, pedreiro. O carregador de peso. Eu sou o que odeia filme francês, coça o saco e cospe em canapé. 

Começa a caminhar com veemência em direção a Cilene, que dá passos pra trás, assustada. Robson aumenta o tom de voz.

- Eu sou o que não pode ter medo de rato. 

Com os dentes cerrados de ódio.

- O que adora carro. O responsável por desentupir a privada. O aficionado por revista. De. Mulher. Pelada.

Gesticulando  loucamente, agarra um produto da prateleira e grita, desvairado, apontando pra si e para o vidro em suas mãos.

- Eu, Cilene Xavier, não sou Robson. Aaaaah, não, eu não sou! Eu sou o shampoo 2 em 1, Clileninha do meu coração! O SHAMPOO 2 EM 1!

                                                                     ***

Como bom homem solteiro que consegue economizar um trocado, contratei uma diarista pra me ajudar com a casa. Tava uma zona de guerra aqui. Calças brigavam umas com as outras no chão do quarto, louça se atracando na pia, gritos, terror, sangue e pânico. Daí resolvi chamar a Doreen, indicação de um vizinho. Nunca tive empregada na vida, então não sei como me portar perto dela. Pedi desculpa pela bagunça. Mas ela não ligou, Doreen não ligou. Deixei um tênis em cima da mesa e fui fazer minha entrada ao vivo rezando pra ela me perdoar por dar trabalho.

Quando voltei, o tênis estava lavado. Opa! Achei aquilo divertido. Na segunda vinda de Doreen deixei, como quem não quer nada, uma receita de torta em cima da mesa. Ela pegou discretamente, deu uma olhada e duas horas depois bateu na porta do escritório pra dizer que a torta estava pronta.

O meu equipamento de envio de matérias pro Brasil está dando problema. Alguma coisa na rede de geração, as portas de upload não estão funcionando direito, tem alguma coisa a ver com o software não estar configurado corretamente, mas chequei todos itens e não encontrei nada, nem mesmo um plug fora do lugar.

Vou deixar em cima da mesa que amanhã a Doreen vem.

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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto