Era coração rateado. As bombas explodiam e ele nem sentia, só se sentia. Era farra de raivas, e ele, mesmo com raivas, não entrava na farra. Passou pelo protesto de fones de ouvido, Tim Maia cantava. Cruzava a turbe sem se importar com ela. A causa era boa. Mas não naquele dia. Naquele dia ele só queria lavar a alma das dores que ela deixou. Corpos que esbarravam, gritos fechando o ar, cacetetes e escudos. Medo, Aquelas pessoas tinham tanto medo. Observava meninos correrem desesperados da polícia. Desinteressado. Tudo era chato, como filme de cachorro skatista na Sessão da Tarde.
Era de luta, mas estava de luto.
Viu o par de senhores jogar dominó na praça próxima ao movimento. Viu as mulheres e transexuais que se prostituiam lhe chamando, querendo saber seu nome, mas não tinha o que dizer. Acabou se chamando "Nestor", por ser contra a falta de Nestores no Brasil. Viu o gato vadio sentar e esperar a noite trazer algo novo. No camelô, viu bala de goma que era mais sofrida que as de borracha.
Chave, seu Zé, elevador, casa, banho. Cantava uma melodia antiga, que não lembrava de onde conhecia. Os helicópteros das TVs do lado de fora faziam coro ao ruído do chuveiro. Precisou cantar mais alto, de repente se viu chorando. O pranto morreu em água. E sua causa, sua casa, ficaram escondidos até o amor não ser mais. Passar pela ponte, pegar a Perimetral, escorregar por um túnel, um trem rumo ao Méier, desembocar em Olaria e seguir pra além-Taquara.
Era de luta, mas preferiu dar passagem.