quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Sexo, o frágil - Caps Lock




Em noites cansadas, ela deita palavras na tela. Faz carinho, espera crescerem. Uma rotina de calma, bate-papo por aqui, puxada de assunto dali. Vez por outra maravilhas e risadas surgem, mas quase sempre são reticências tristes. Notícias de mesmice. Gente remoendo dores. Reclamações em quilo. O sorriso fica na palavra que fala. Toda dor sai das palavras tecladas. Essa é a lei que sua língua obedece.

Aquele dia, portanto, foi diferente, de outra maneira não faria sentido te contar sobre ele.

Começou com uma provocação boba, janela que abre de repente, nome de um conhecido distante piscando. O elogio veio preciso, oportuno, um anzol. Morde ou não morde a isca? Morde, vai, distraída! Tem gosto de alguma coisa que não vendem mais. Dá curiosidade. Chiclete Ping Pong? Não, era mais um... como é o nome? Flerte. Não vendem mais flerte hoje em dia.

Responde de volta, oferecendo ousadia. Ele vem mais firme, empolgado pela malícia de interjeições. Encaixa a mão no cabelo das sílabas, como quem não quer nada. Ela se faz de rogada e se pergunta o porquê, se quer tanto cair de cara nos sufixos, sair do sufoco. Tils dançam, mas não tem "não". A reforma ortográfica que tenha misericórdia, a pele trema em todo corpo. Aquele enlace de sujeitos não pedia verbo, o verbo vinha de intrometido que é.

Decidiu ser mais feroz, colou o corpo nos hiatos. Teclava linhas curtas, densas. Os fonemas seriam sussurrados, se ele pudesse ouvir sussurros via chat. A resposta veio antes de seu último ponto final. O outro estava se desfalecendo em detalhes. Da mão no cabelo veio um beijo de vogais, braços agarrados na cintura acentuada. As pernas dela faziam vez de circunflexo. O encaixe delicado e forte de cada oração. Prece de termos, os adjetivos que faltavam na hora do intenso. Palavras começaram a ser digitadas com uma só mão. Onomatopéias quentes, prazerosas.

Sem preocupar com normas cultas, agora ele invadia e devassava cada travessão que existiu. Foi era só beijar do jeito certo lá embaixo, nos seus predicados, que tudo virou hífen, sentenças entrelaçadas em uma longa palavra só. Línguas e linguagens faziam parte. Cabos de rede ligando corpos, prestes a formarem nome composto. Entregue, pediu penetração violenta, exclamações pulsantes. Mão nas costas, quadris involuntários, todo movimento cadenciado. Velocidade aumenta, as figuras de linguagem se borram. Espasmos por fim. O fraquejar nas pernas que é tão coletivo. Cardumes, bandos, manadas. Substância e substantivo, até que o logoff nos separe, cada um rolando pro seu lado da cama, em sua respectiva cama, amém. Enquanto suspira, pensa como é engraçado que seja digital, mas não tem os dedos dele marcando sua pele.

O jorro de vogais se acalmara, o sono veio. Já não estava mais em crase.



quarta-feira, 21 de agosto de 2013

[INFO] Trecho solto




Julho é um mês de amor pra mim. Junho não, sempre foi meio chato. Junho tem obrigações. Julho eu faço o que quero. Férias escolares. Ou tipo postar só um microconto e achar que fiz o bastante.

Aí vem Agosto, vejo que não atualizei quase nada por dois meses, que tenho escrito pouco (para o blog) e tenho ideia de publicar aquelas séries de crônicas que me dão um trabalho desgraçado pra manter. Me pergunte o porquê. Quer saber? Porque não é da sua conta, esse é o porquê.

Desculpa, tá, foi mal. Señor Chang baixou em mim. É difícil assumir minha preguiça/falta de organização, maior motivo desse blog minguar em textos por às vezes. Por isso, o amor de Julho e a redenção de Agosto se casaram em mim. Uma série de 4 textos sobre qualquer coisa que seja algo de sexo em nossos tempos. Amanhã de noitinha posto o primeiro. A regularidade me pediu pra aparecer toda semana. Só não dou certeza porque a vida é muito dinâmica.

É confuso, eu sei. E de amor, não sei muito. Logo, me vejo como um grande pretensioso ao tentar escrever sobre sexo. Quem sou eu pra mexer com algo tão importante e perigoso? Deixem gente capacitada, sabe. Bombeiros, astronautas, aqueles caras do CSI que encontram um fio de cabelo no meio da floresta.

Mas se ninguém diz como eu sinto, meu mal é desandar digitar a respeito.



Quem sou eu

Minha foto
"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto