quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Pistas

Tchuploc, tchuploc, tchuploc. Meus pés vão batendo sincopadamente pela pista. O vento corta o meu cabelo em partes desiguais enquanto ganho velocidade. Correndo, viro o que minha cabeça descompensada produz. E ela é inteira de vento.

Agora tem isso de me adaptar em uma cidade nova... É estranho pensar que eu sinto saudade de casa. Bom, agora essa cidade é a minha casa. Procuro as pistas que me lembram de onde vim. Sinto o cheiro do sal o tempo todo, umidade em meus pulmões. O som do mar que arrebenta não me desfaz o medo do que há por vir. Medo de descobrir o que está. Vestígios. Tem música nas ruas. Mas eu não ouço nada.

As águas são mais fundas, mas nha!, eu não vim assim tão despreparado. Dá pra ficar mais calmo, mais seguro.

Tchuploc, tchuploc, tchuploc. Tem sol com chuva caindo sobre mim. Existe pista mais misteriosamente bonita que essa?

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

[INFO] atropelamentos pegaram esse blog. traz o desfibrilador!

Então, gente, estou numa enrascada. Sabe quando teve aquele estouro de manada de gnus no primeiro Rei Leão? Aquela que matou o pai do Simba? Pois é. Tem uma manada de gnus passando na minha vida e, eu enquanto macaco velho que escreve, acabo desaguando meus problemas em vocês, hehe.

Bom, pros leitores que não futucam meu facebook (e acho até mais legal vocês continuarem assim), bem agora eu tô morando em Kingston, Jamaica, desde o início deste mês. E aqui vou ficar até o dia 31 de Agosto, trabalhando como repórter correspondente do SporTV. Legal, né? É, eu sei!

Daí que essa é a manada de gnus vai fazer com que minha vida de escritor fajuto fique conturbada. Quer dizer que não vou escrever mais aqui? Não, claro que vou continuar escrevendo. Só não faço ideia da periodicidade. Quer dizer que vou escrever sobre a Jamaica? Também sobre a Jamaica, afinal é um lugar interessantíssimo. Quer dizer que vou ficar famoso e esquecer de vocês? Sem dúvida.

Sei que vocês, meus 15¹/2 leitores, vão me entender. Tem um texto já pronto que publico hoje ainda. Ele foi escrito quando me mudei de Brasília para o Rio de Janeiro, no ano passado, e tinha decidido não publicar porque achei chué demais. Mas ele se encaixou tão bem com a minha mudança pra cá que resolvi desengavetar o troço.

 E vou tentar fazer mais uma série de contos como Magnólia lá pra frente! A ideia já está sendo trabalhada, acho que só depende do meu tempo livre de agora em diante. E vejam o SporTV! Logo, logo vou aparecer lá com materinhas sobre o esporte na Jamaica e cercanias.

Hasta la vista, bebê.

ps.: Quando você olhar pro seu relógio, saiba que na Jamaica será 3h mais cedo.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Vem de um, vende dois




Era de água. Um copo de água. Dois goles depois voltou a ser apenas copo.
  - E enquanto o calor desse lugar suga meu corpo, fico nessa de devanear coisas sem propósito.



segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Quases

Rafael é o dono da ótima padaria do meu bairro. Acorda cedo, sempre com um plano. Amassa sua farinha, leva fornadas de pães de queijo para o balcão onde estão seus fregueses, felizes e famintos pelo prazer de devorar algo que deu muito trabalho pra outra pessoa fazer. E é o brilho assassino no olhar dos que chegam o maior temor do padeiro.

Ele sofre de pesadelos terríveis. Está assando um sonho (ahá! pega essa ironia) delicioso, o cheiro é inebriante. Saliva na porta do forno enquanto espera. De repente, estrondo. Corre pro balcão e vê, com os olhos arregalados, a horda de clientes famintos que invade seu estabelecimento comercial, honesto, com alvarás em dia e que contribui para elevar a renda per capta do país. São dezenas, centenas que entram. Zumbis clamando por confeitos. Eles têm veias saltadas no rosto. Passam por cima de Rafael, comem o sonho, comem tudo. Até o próprio Rafael, com açúcar mascavo. Trágico e sangrento.

É claro, apenas um pesadelo cruel. Rafael esconde ele pra si. Leva a vida numa boa, trabalhando muito, acordando cedo e dormindo tarde pra padaria funcionar bem e deixar todos felizes. Afinal, ele não que criar inimizades no bairro. E por via das dúvidas, deixa um estoque de sonhos prontinhos na dispensa, junto a explosivos, armas e uma rota de fuga que termina em Tijuana, México.

***

Nádia espirrou enquanto dirigia, quase atropelou uma senhorinha que caminhava pela calçada, mas se recuperou a tempo de jogar o carro pro acostamento. Ficou ali, estática. A senhora, aparvalhada, sentou-se no chão mesmo, ao lado do carro. As duas mulheres se encaram. Estavam a um espirro da tragédia. Nádia desfez o efeito hipnótico da cena por um segundo, quando sacudiu a cabeça e colocou as mãos trêmulas no volante. Mas antes de partir, um movimento a deteve. A senhorinha caminhou na direção ao carro. E estendeu um lenço pela janela aberta.

***

Há dezoito anos Anselmo atira aviõezinhos de papel do terraço do prédio. Começou com uma brincadeira de criança, agora é uma obsessão. Anselmo tenta acertar a janela da vizinha. Os aviões são feitos de cartas de amor. Elaborados como uma perfeição aerodinâmica de palavras delicadas e um desejo ardente de tê-la sob seu corpo, nua.

Porém, a janela dela fica a quase oitenta metros de distância. Os aviões morrem na calçada, nem ao menos passam perto. E essa é a desculpa que Anselmo usa pra si mesmo quando se olha no espelho, e sua consciência o castiga por nunca ter falado com ela.

Quem sou eu

Minha foto
"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto