Rafael é o dono da ótima padaria do meu bairro. Acorda cedo, sempre com um plano. Amassa sua farinha, leva fornadas de pães de queijo para o balcão onde estão seus fregueses, felizes e famintos pelo prazer de devorar algo que deu muito trabalho pra outra pessoa fazer. E é o brilho assassino no olhar dos que chegam o maior temor do padeiro.
Ele sofre de pesadelos terríveis. Está assando um sonho (ahá! pega essa ironia) delicioso, o cheiro é inebriante. Saliva na porta do forno enquanto espera. De repente, estrondo. Corre pro balcão e vê, com os olhos arregalados, a horda de clientes famintos que invade seu estabelecimento comercial, honesto, com alvarás em dia e que contribui para elevar a renda per capta do país. São dezenas, centenas que entram. Zumbis clamando por confeitos. Eles têm veias saltadas no rosto. Passam por cima de Rafael, comem o sonho, comem tudo. Até o próprio Rafael, com açúcar mascavo. Trágico e sangrento.
É claro, apenas um pesadelo cruel. Rafael esconde ele pra si. Leva a vida numa boa, trabalhando muito, acordando cedo e dormindo tarde pra padaria funcionar bem e deixar todos felizes. Afinal, ele não que criar inimizades no bairro. E por via das dúvidas, deixa um estoque de sonhos prontinhos na dispensa, junto a explosivos, armas e uma rota de fuga que termina em Tijuana, México.
***
Nádia espirrou enquanto dirigia, quase atropelou uma senhorinha que caminhava pela calçada, mas se recuperou a tempo de jogar o carro pro acostamento. Ficou ali, estática. A senhora, aparvalhada, sentou-se no chão mesmo, ao lado do carro. As duas mulheres se encaram. Estavam a um espirro da tragédia. Nádia desfez o efeito hipnótico da cena por um segundo, quando sacudiu a cabeça e colocou as mãos trêmulas no volante. Mas antes de partir, um movimento a deteve. A senhorinha caminhou na direção ao carro. E estendeu um lenço pela janela aberta.
***
Há dezoito anos Anselmo atira aviõezinhos de papel do terraço do prédio. Começou com uma brincadeira de criança, agora é uma obsessão. Anselmo tenta acertar a janela da vizinha. Os aviões são feitos de cartas de amor. Elaborados como uma perfeição aerodinâmica de palavras delicadas e um desejo ardente de tê-la sob seu corpo, nua.
Porém, a janela dela fica a quase oitenta metros de distância. Os aviões morrem na calçada, nem ao menos passam perto. E essa é a desculpa que Anselmo usa pra si mesmo quando se olha no espelho, e sua consciência o castiga por nunca ter falado com ela.
Ele sofre de pesadelos terríveis. Está assando um sonho (ahá! pega essa ironia) delicioso, o cheiro é inebriante. Saliva na porta do forno enquanto espera. De repente, estrondo. Corre pro balcão e vê, com os olhos arregalados, a horda de clientes famintos que invade seu estabelecimento comercial, honesto, com alvarás em dia e que contribui para elevar a renda per capta do país. São dezenas, centenas que entram. Zumbis clamando por confeitos. Eles têm veias saltadas no rosto. Passam por cima de Rafael, comem o sonho, comem tudo. Até o próprio Rafael, com açúcar mascavo. Trágico e sangrento.
É claro, apenas um pesadelo cruel. Rafael esconde ele pra si. Leva a vida numa boa, trabalhando muito, acordando cedo e dormindo tarde pra padaria funcionar bem e deixar todos felizes. Afinal, ele não que criar inimizades no bairro. E por via das dúvidas, deixa um estoque de sonhos prontinhos na dispensa, junto a explosivos, armas e uma rota de fuga que termina em Tijuana, México.
***
Nádia espirrou enquanto dirigia, quase atropelou uma senhorinha que caminhava pela calçada, mas se recuperou a tempo de jogar o carro pro acostamento. Ficou ali, estática. A senhora, aparvalhada, sentou-se no chão mesmo, ao lado do carro. As duas mulheres se encaram. Estavam a um espirro da tragédia. Nádia desfez o efeito hipnótico da cena por um segundo, quando sacudiu a cabeça e colocou as mãos trêmulas no volante. Mas antes de partir, um movimento a deteve. A senhorinha caminhou na direção ao carro. E estendeu um lenço pela janela aberta.
***
Há dezoito anos Anselmo atira aviõezinhos de papel do terraço do prédio. Começou com uma brincadeira de criança, agora é uma obsessão. Anselmo tenta acertar a janela da vizinha. Os aviões são feitos de cartas de amor. Elaborados como uma perfeição aerodinâmica de palavras delicadas e um desejo ardente de tê-la sob seu corpo, nua.
Porém, a janela dela fica a quase oitenta metros de distância. Os aviões morrem na calçada, nem ao menos passam perto. E essa é a desculpa que Anselmo usa pra si mesmo quando se olha no espelho, e sua consciência o castiga por nunca ter falado com ela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário