quinta-feira, 3 de julho de 2014

Pelo menos uma vez por ano




É Novembro em mim.

O grito da criança rachou o silêncio, choro recheado de medo e soluço no meio da rua. Dedo esticado na mão. Penas esticadas no asfalto.

- Papai! Papai! O 'sárinho voava e agora está Novembro.

Por isso economistas procuram alternativas pra salvar as contas do país, as grandes falcatruas de Novembro criaram déficits e dívidas e negativos. Buracos negros.

Nas escolas, alunos faltam porque pegaram Novembro e não conseguem sair da cama. Nenhuma mãe desconfia de invenção. Sintoma de Novembro se vê de longe, sinhá.

Deu no Jornal de ontem que um monte de cor foi transformado em preto e branco, Novembro figura na lista de suspeitos. Ainda precisam de evidência pra levá-lo a julgamento.

Murmúrios nos corredores da igreja. O noivo tinha fugido.
- Estava se encontrado às escondidas com Novembro! - comentou a rádio-altar, escandalizada.

Novembro deve sair candidato pelo Arena em 2014. Vamos lutar pra achar a cura para Novembro, porque a quimioterapia é muito agressiva. Tome cuidado na hora de dormir. Novembro gosta de vir à noite. Gosta de agarrar o peito da gente. Mostrar que Novembro é pra sempre. Pelo menos uma vez por ano...

É Novembro em mim.



Quem sou eu

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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto