sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Visita




Ela abre a porta. Abraços e beijos. A senhora carregando a família pra dentro, chega já amaldiçoando o calor fora e dentro do apartamento. Ai, que essa cidade é uma bagunça! Eu é que não vivo aqui!

A irmã mais nova fica de longe, a priminha enfiada no iPod. O namorado fica no degrau que dá pra varanda, segurando o riso em frente ao computador e fingindo que não escuta. E a mãe da moça não perdoa nada.

- Essa casa sem sofá não dá pra ser, filha! Tô com vontade de voltar por meu canto.
- Já vai resolver, mãe!
- Não, não me incomoda não, Fefêzinha!

E vai ali na cozinha buscar um copo de água geladinha pra priminha. E que lá em casa tá tudo arrumado, Fefêzinha! Uhum, o Rio é lindo. Mas eu não tô nem aí, eu vou ficar hoje é aqui que a viagem me deixou cansada!

A irmã mais nova vendo que faltou trazer shortinho, a priminha dormindo em pé. O namorado lá, no degrau, segurando o riso e fingindo ler uma matéria sobre trem-bala em Bangu.

Abrem mala, enchem colchão inflável, todo mundo pensando no Réveillon. Fazer o pavê da virada aqui não vai dar, Fefêzinha, o fogão não é igual ao lá de casa. Tá bom assim pra você? Então tá perfeito pra mim também!

Ela pensa nos passeios, se vai chover ou não vai. Réveillon em Copacabana é igual a chuva, então é preciso correr contra o tempo. Sabe que o Rio de Janeiro está lotado, turistas saindo pelo ladrão. Passear de bicicleta?

- Ninguém quer saber disso não, filha.
- Aqui é bem fácil, mãe! A gente pode passear na Lagoa, tem ciclovia. A senhora tá ficando velha!
- Se é assim tá ótimo! Mas as meninas não querem. Eu não sei andar e hoje não saio de casa, Fefêzinha!
- A senhora veio pro Rio pra ficar aqui no apartamento, mãe?!
- E pra queimar fogos em Copacabana! Ou ver queimar! Você entendeu.

A irmã mais nova decidindo se leva a câmera fotográfica, a priminha usando colar de bigode. O namorado lá, no degrau, segurando o riso e fingindo que está recalculando o Imposto de Renda.

Fefêzinha, a tia Lindalva tá muito bronzeada! Pode deixar que a louça é minha, isso aqui não é nada. Lá em casa você sujava mais. Não vai deixar de comer pra não ter que lavar prato, minha filha! E toma cuidado que aqui tudo vence rápido, pãozinho não dura nada.

E ela olha as validades no super mercado como o Globocop procurando por acidente de trânsito. Não deixa guarda-chuva aberto em casa, nada de chinelo virado ou varrer o pé de alguém. Ainda assim não acata a coisa de comer uva, que uva tem que cuspir o caroço e ela tem nojinho.

- Pelo menos uma de romã, minha filha! Copacabana vai tá um fuzuê, tomara que dê pra comer o pavê lá na Lindalva. Assim a gente não tem sorte, sua vó que fala. Não sou eu, é sua vó.
- Tá bom, mãe, tá bom! Vamos, tá todo mundo lá esperando a gente!
- Você tá tão linda, minha filha!

A irmã mais nova fazendo mala, a priminha dizendo que adorou o Rio mas prefere o Gama. O namorado lá, no degrau, segurando a emoção e fingindo não perceber a mãe sufocada de vontade de dizer "Volta pra casa!". Ou a filha escondendo o tamanho da dor de saudade.



Quem sou eu

Minha foto
"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto