terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Assassinos




- Você sabe como ser bonito!
- Hahaha, ok, me explica isso.
- Você é bonito, claro. Mas tá longe de ser arrogante. Não fica inseguro perto de mim. E olha que sou uma armadilha com sotaque.


Ela está me mantando em seu coração.

Hoje, dá pra sentir pelas palavras escassas, pela distância que não é só física. E eu, sentado em minha cadeira robusta de madeira na varanda da casa, assisto com uma expressão de desolação irônica. Eram altas as chances disso acontecer, não eram? Não sou um apostador. Então quando entro no jogo, entro pra perder.

Invadi aqueles ventrículos e átrios, fui um choque anafilático, o sangue venoso que ainda não sabe por quais veias correr. Tudo tão rápido, tão taquicardíaco. Agora, lentamente bombeanto em suas funções regulares, vejo meu espaço encolher. Como se a minha mansão nesse miocárdio tenha que minguar até que o quarto-e-sala onde estou agora desapareça. Em um infarto fulminante eu nasci e morro por insuficiência cardíaca. Se encerram os blips-blips do monitores. Blip, Blip.

O peso do amor, do começo, sim, eu sabia. Assim como nunca me enganei, aqueles hectares musculares tinham outro morador. Cohabitat. Ela pode se amarrar em terra firme, se firmar em seu inquilino de longa data. Não sei, não sou.

Naquele abraço perdido em um corredor do meu apartamento, nus e em lágrimas, ela sentia saudade daquilo que não tínhamos vivido. Como aproveitar um amor em antecipação, esperando gritos e sonhos não realizados, cortes profundos em estômagos rasos de tamanha ansiedade? Como ser um humano se caminhamos vazios um do outro, no nosso afobamento linear de quem não pensa no futuro? Fomos do agora, um agora que já passou.

De vez em quando, sussuro os trechos entrecortados de Walt Whitman.
"This wind is our deepest bond. And I wish things had started before they finished".

Eu estou matando-a em meu coração.



Quem sou eu

Minha foto
"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto