sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Amarelo-queimado




A gente acorda um dia e se dá conta que aposentaram uma cor.

Sem FGTS, sem abono pela insalubridade. No meu tempo, o amarelo-queimado trabalhava duro. Era tudo o que o amarelo comum não podia ser. Sóbrio, sem essa pinta animada demais que o amarelo normalmente tem, sabe? É isso. Um amarelo mais tiozão do churrasco. O amarelo que não precisa de Red Bull.

Não sei se ele disfarça com outro nome. Tal qual o lilás, que atua sob pseudônimo de 'roxinho' hoje em dia. Li esses dias sobre um homem que usou um drone com barbante pra arrancar o dente da filha. Sim. Tem isso acontecendo. Até isso. Mas nada do amarelo-queimado.

O que será dos sobretons, eu não sei. O girassol não vai ter suas sombras, o sol também terá que se contentar com o laranja em seus raios. O ouro não parecerá real. É tudo menos sólido, menos vívido. Como se o mundo tivesse esquecido que um pouco menos de brilho às vezes nos dá perspectiva. Aqueles cantos que não eram maravilhosos precisam ser revelados, as falhas e hiatos, expostos. O amarelo-queimado é uma lupa. É a verdade que falta ser encarada. Tem dias em que eu me pintaria inteiro com ele.



Quem sou eu

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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto