sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Do tempo que passa e a gente não sabe pra onde vai, o maldito




Meu tempo cresce como os fios da minha barba. Desce pelo meu queixo sem se preocupar com passagem. Teimoso. Descuidado. É um tempo de tetos desconhecidos a cada vez que eu me deito pra dormir. Diabo sem lugar. Me faz rodar cidades, estados, países. Tempo é barba e tetos desconhecidos.

Eu olho dentro da tela do meu computador e só vejo páginas em branco. Pela casa têm calendários com as folhas de Agosto ainda presas. Penso no ano que vem. No resumo do meu ano que está morrendo. Nas malas formando barricadas na sala que avisam "cê tá aqui só de passagem, entendeu?". Na mesinha de centro, o tempo fez um guichê e carimbou meu passaporte outra vez. Será que eu tô escrevendo coisa com coisa?

O tempo foi pra um lugar onde eu não sei chegar, o tempo me trapaceou. Em Janeiro eu era menino, em Dezembro sou homem. O tempo tá de grace com my face e joga sinuca com a minha idade toda primeira quarta do mês. Hoje? Dois dias depois de anteontem. Meu Deus, onde foi parar meu tempo? Em Janeiro eu era menino. Menino. Agora eu contemplo a cidade que brilha silenciosa lá fora. E sinto tanta coisa boba pesando sobre mim...

Eu vejo os postes de luz passando pela janela enquanto estou deitado no banco de trás do carro da minha menina. Tem qualquer coisa que me acalma nisso. Me lembra das noites em que eu voltava de ônibus pra casa, depois de me aventurar em um dos desafios bestas da adolescência. Tem um relógio de parede que eu levo na bagagem. Ele faz um barulho que não deixa minha menina dormir direito, daí ela demora um monte se mexendo na cama. Mas nunca me pediu pra tirá-lo de lá. Eu odeio aquele relógio. Mas não consigo viver sem ele.

O tempo samba na cara da sociedade, salto agulha. Um dia desses saí pra comprar balinha e uma criança me chamou de tio. Decidi nunca mais comer doce. Aí eu te digo que tenho 22 e na verdade adoro minha idade. Não é engraçado esse troço de dois patinhos na lagoa? Eu acho e você tem que respeitar minha opinião. Droga. Que piada idiota eu vou poder fazer com 23? Minha barba ainda está crescendo. Os tetos continuam desconhecidos.

Vejo amigos que há tempos não via, mato saudades no tapa, canto músicas de outras épocas no chuveiro. Me sinto pronto pra qualquer coisa, mas só até secar o cabelo. É, eu sei. Ainda estou na idade em que ter cabelos molhados é sinônimo de liberdade. Algo como "eu faço o que quiser com minhas madeixas e quero ver o mundo me contrariar". Daí o cabelo seca e a rebeldia acaba. Sou um conformado dos cabelos secos.

Tenho cartão de crédito. Mas nunca tive o hábito de dar presentes. Então fico completamente sem graça quando ganho algum. É uma coisa fácil de se resolver, né? Vou parar de fazer pequenos dramas. No ano novo eu não vou comer doce, não vou abrir a geladeira pra pensar sobre a vida e vou dar presentes.

Tirei a barba pra enganar o tempo, não deu muito certo. Minha menina já chegou e agora tá lá embaixo me esperando, não tenho tempo pra perder. Agora quero de ano novo um teto que não seja mais desconhecido. Quero descobrir um teto simpático, engraçado. Não precisa ser rico, é só ter uma renda estável. Vou chamá-lo pra jantar no Dom Francisco, pagar um bom vinho e intimar:

- Vai ser minha casa de agora em diante?

Até lá minha barba vai ter crescido de novo.



Quem sou eu

Minha foto
"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto