Caio se apaixonava à medida que ela roia as unhas. O esmalte vermelho dos dedos se desfazendo no esmalte claro dos dentes, ansiedade e mania, desconto do controle foragido. A moça nem percebia o olhar enternecido do rapaz que sofria junto com ela.
Olhava pela janela do coletivo, mergulhada na noite escura de si enquanto o dia brilhava ensolarado do lado de fora. O negrume dos olhos tristes esfumaçados de sombra escondia olhos inchados de dor, Caio notou.
Despia cada verso que ela sussurrava, adivinhando a música que corria pelos fones escondidos em meio aos cabelos castanhos. Queria ser cada agudo abafado, cada grito reprimido. Abraçar os dedos que tamborilavam no joelho sem o menor ritmo. Queria se rasgar e deixar de ser timidez, renascer coragem.
Mas Caio não conseguiu. Ficou de lado, medindo o tom da voz que queria ter. Seguiu em silêncio absoluto a abocanhar cada pulsação da mulher que dividia com ele o banco, até que o inabalável "tarde demais" veio. Cada um pra seu canto, nunca mais a viu.
Chegou ao ponto final e não desceu.
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