segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Magnólia - Parte III




"Sabe quando você espera aqueles minutos intermináveis no banho até o condicionador fazer efeito? Desde Helena, isso foi a minha vida. Esperar por alguma coisa. E esperei pacientemente que tudo acabasse. Com um trabalho miserável eu aprendi que é fácil ser medíocre. O trabalho repetitivo faz você esquecer do tempo. Anos passam em segundos. A cada semana eu perco sete dias. Foi assim que a maré me levou.

E velejando pela espera, alguma coisa chegou. Começou com um enjoo. Engoli comprimidos e achei que tudo estaria resolvido. Os meses continuaram passando. E aquele menino novo das aulas no laboratório sempre ficando depois do horário. Sempre fazendo perguntas. Sempre perto demais.

Em uma tarde gelada, quando eu esvaziava tubos de ensaio perdida entre pensamentos do passado, ele veio. Achei que tinha ido com o resto dos meninos da classe, mas surgiu como uma sombra pelas minhas costas. Senti as mãos dele subindo pelo jaleco, tremendo. Fiquei sem reação. Quis gritar, mas não gritei. Seguindo o comportamento de sempre, esperei. A textura dos dedos dele subindo pela minha coluna fez a pele se arrepiar. Então, tudo ficou violento. De um jeito que me fez rir como em outros tempos. Os lábios correndo pelas minhas coxas. Respiração ofegante pelas costas. Cada vez mais fundo...

A dor se misturou ao prazer. Gritei, ele fugiu. Pobre menino, achou que ele tinha sido o causador daquilo. E por um momento eu também pensei. Mas o sofrimento continuou. E dias depois da aventura, o sangue ainda escorria de mim. Resolvi que era hora de fazer aquilo parar. Tinha descoberto uma fagulha de algo bom depois de anos e anos. Só que os problemas têm pressa, não esperam o dia da consulta. Um desmaio me levou ao hospital primeiro.

O médico não foi delicado. E eu não teria me incomodado se aquela notícia viesse em outra época. A doença já havia se espalhado. Começou no colo do útero. Logo ali, onde um dia o amor se escondera. Voltei pra casa. Tinha pouco tempo. Alguns dias, talvez. E tudo mudou. Logo agora. Não. Não sem correr de novo. Não sem fazer isso tudo pegar fogo. Como ela. Como ela na minha cama. Como o menino. Não. Agora não. Eu vou fazer as coisas serem as mesmas de novo. Eu vou chutar o saco do mundo. Eu vou ser de novo a Mag daquele tempo! Vou voltar pra minha cidade e fazer tudo aquilo queimar com diesel por cima.

Já que precisa terminar, é melhor que seja com um pouco de estilo."

Stop. Acabou a fita. Na TV, um helicóptero mostrava o incêndio em algum lugar ao sul. Ela havia começado, pensei eu. O mundo agora iria arder.



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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto