domingo, 28 de agosto de 2011

O garoto do andar de cima




- Você faz natação todo dia?
- Não, não todo dia. Quer dizer... Nos últimos dias, todo dia. Mas não desde sempre. Entendeu?
- O que eu tinha perguntado mesmo?

Eu ri. Ele queria ser piloto de avião, mas agora vai ser jornalista que nem eu e aparecer na TV dando pirueta pra Janaína ver, a namorada dele desde o mês passado. Ela é linda e sempre usa brincos. Eu ri.

- Sabia que cê parece o César Cielo? Ele também nada, mas não tem barba. Nem cabelo preto. Só que ele também nada.

Me mostrou o videogame portátil que ele tem, última geração. Contei que eu tinha um parecido, mas que era do tempo do onça. Se chamava BrickGame, ou só minigame, com uma porção de jogos toscos com tijolinhos.

- O mais famoso era o Tetris.
- Meu pai me disse que o Brasil foi tetra em 94. Tempo do onça é o tempo em que tinha onça no Rio?!

Eu ri. Ele contou que queria ser atacante do time da rua dele, mas não deixavam por ele ser ruim. Aí ele ficou mais triste que em todos os outros dias da vida dele.

- Qual foi o seu dia mais triste de toda a vida?
- Morreu uma pessoa muito importante pra mim, um tempo atrás.
- Humm... Ela morreu de brinco?

Tentei lembrar, não consegui.

- Você já viu o sereno?
- Sereno?
- É.
- Ué, não. Acho que não. Não sei direito o que é o sereno, pra ser sincero.
- Não?! Minha mãe sempre diz que ele é perigoso.
- Pois eu não ligo mais pra ele. Agora, eu dou tapa na cara do sereno. Mesmo sem saber o que ele é.
- Mentira, sua mãe é que te deixa ficar na rua até mais tarde.

Ele correu pro elevador. Corri também. Ele já estava sonolento quando saltou pro seu andar. Olhou pra mim e falou no meio do bocejo.

- Você parece com o César Cielo.
- Eu também te achei legal.

Ele riu.



Um comentário:

Lari disse...

=)mto bom. Não gostei quando a história acabou.

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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto