sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Distâncias




Às vezes é bom quando ela não tá aqui. Eu tenho tardes inteiras pra ver TV, me encher de porcaria e estragar meu apetite. Posso correr pelado pela casa sem me preocupar com reprimendas sobre resfriados. Posso descer até a portaria e pegar o jornal de roupão. Judiar das cordas do meu violão e fingir que sou um rockstar sem escutar comentários como "prefiro ouvir Jota Quest que isso". Dá pra jogar videogame por horas, esquecer da louça suja e das roupas pra pegar na lavanderia.

Às vezes é bom quando ela não tá aqui. Saio com hordas de amigos idiotas, falo besteiras por horas. Jogo futebol com a rapaziada até alguém resolver descontar sua raiva no meu joelho lesionado. Reclamo da vida assistindo jornal, reclamo quando o jornal acaba porque tem novela e reclamo porque essa novela que vai passar não é tão boa quanto Rei do Gado. Escondo fotos vergonhosas da infância e adolescência, especialmente aquelas em que a puberdade me fez parecer um alienígena que parou na terra pra tomar uma Coca.

Às vezes é bom quando ela não tá aqui. Assisto Naruto até acreditar que tenho habilidades ninja. Exceto a habilidade ninja de sumir na fumaça. Essa eu já tentei e não funfou. Vou fazer compras, viver a vida de um cara comum morando sozinho. Como só o recheio do biscoito. Sento na praça pra escrever. Faço planos pra um incrível roteiro de curta-metragem que nunca vai ficar pronto. Não perco meu tempo tentando convencer alguém a abandonar o secador de cabelo no meio da estrada. Não passo protetor solar. De propósito.

Às vezes é bom quando ela não tá aqui. Mas é sempre melhor quando ela está.



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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto