sexta-feira, 5 de março de 2010

Esboços sobre o amor e a linguagem 2

 

Um conhecido meu, Jaime e evidentemente fictício, tinha uma frase-sucesso para os momentos de descontração. “Se eu conheço o amor é porque conheci a bunda da minha mulher”, e o dito era seguido  por um coro de aprovação. Pasmem as pessoas honradas/dignas do século XX, mas sempre que Jaime falava isso em uma roda, o coro vinha. As feministas, quando escutavam, armavam suas unhas para a guerra. Citavam os sutiãs flambados, a luta das mulheres ao longo dos séculos para conseguirem direitos iguais aos dos homens e as novelas do Manoel Carlos que invariavelmente contam uma estória de amarguras e superações femininas.

Mas o Jaimão tem uma arma poderosíssima ao seu lado. O poder que a bunda tem. Você sabe e eu sei que onde existe bunda existe o joinha nacional. Qualquer setor de serviços populares, quando explora a bunda, enche a poupança. Com o perdão do trocadilho. Onde quer que exista uma vaga para mulheres, a bunda é ponto crucial na contratação:

- Essa moça aqui é um achado, fala três idiomas e tem duas graduações. E está começando, não vai nos exigir um grande pagamento.
- Mas o fundo de investimentos dela, como é?
- Fraco, não cobre nem a inflação.
- Ah nem, então dispensa. Funcionária mesmo era a Glorinha.
- Aaaah, a Glorinha.

E ficam pensando nas nádegas da antiga e laboriosa trabalhadora.

Jaime sabe muito bem dessa realidade tupiniquim e vai espalhando o amor que sente por sua bunda, digo, sua mulher, por onde passa, sem dó. Atirando a bunda para todo o lado, Jaime já estava quase no faroeste, mais perigos que Lee Van Cleef. Se a coisa apertava, ele sacava logo a bunda e lancetava seus adversários. Nada ficava no caminho da bunda. Ele chegou até mesmo a fazer um seguro escondido da retaguarda de sua amada. Sabe como é, se vem uma nova recessão e leva a bunda, como ele fica?

Ao chegar em casa um dia, Jaimão se deparou com uma cena estranha. Para ele, claro, porque nós já vimos esse conto milhares de vezes. Ruídos estranhos vindos do quarto, um par de sapatos de homem na entrada, o ar pesado da traição. Entre  furibundo e  medroso de ter perdido a bunda, Jaime correu para o quarto, não sem antes se armar com a primeira coisa que viu. Que, no caso, foi um guarda-chuva do Barney, propriedade de sua filha. Ao chegar na cama do casal, sua esposa se engalfinhava furiosamente com outro ser. Para sua surpresa, era uma mulher. Ou quase isso, não sei. Eu diria que gênero é algo muito flexível na atualidade e eu é que não vou me meter no assunto.

Ao ver aquilo, Jaime se desconcertou:

- Mas Glorinha, o que diabos é isso?
- Ahn, Jaime... Essa é a Edimar. Ahn...
- Depois desse tempo todo de casamento... e com uma mulher!
- Ora Jaime, você falava tanto de bunda que resolvi ver se gostava...
- Já sei, daí resolveu experimentar e eu dancei, certo?
- É, mas primeiro tentei com outros homens.
- Má quê???
- Cê não tem bunda, né Jaime?!
- Dancei.
- É, mas depois.
- Má quê???
- As bundas de homens são cabeludas, não me interessei. Resolvi tentar com mulheres.
- Aí eu dancei.
- Ainda não.
- Má quê???
- Você sempre soube que gostei de você porque é liso. Não financeiramente, claro.
- Má q...
- Pára com isso! Que saco.
- Desculpa, prossiga.
- Não fui de bunda.
- Como assim?
- Achei sem graça, sabe? Gostei mais dos peitos.
- E aí?
- Aí, você dançou.
- Má quê???


Um comentário:

Daniela de Carvalho Duarte disse...

Eu também sou pela Glorinha. Gosto mais de peitos que de bunda.
Gostos a parte, eu adorei mesmo seu blog, Lucas.

Principalmente o post sobre o sonho.

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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto