Em noites cansadas, ela deita palavras na tela. Faz carinho, espera crescerem. Uma rotina de calma, bate-papo por aqui, puxada de assunto dali. Vez por outra maravilhas e risadas surgem, mas quase sempre são reticências tristes. Notícias de mesmice. Gente remoendo dores. Reclamações em quilo. O sorriso fica na palavra que fala. Toda dor sai das palavras tecladas. Essa é a lei que sua língua obedece.
Aquele dia, portanto, foi diferente, de outra maneira não faria sentido te contar sobre ele.
Começou com uma provocação boba, janela que abre de repente, nome de um conhecido distante piscando. O elogio veio preciso, oportuno, um anzol. Morde ou não morde a isca? Morde, vai, distraída! Tem gosto de alguma coisa que não vendem mais. Dá curiosidade. Chiclete Ping Pong? Não, era mais um... como é o nome? Flerte. Não vendem mais flerte hoje em dia.
Responde de volta, oferecendo ousadia. Ele vem mais firme, empolgado pela malícia de interjeições. Encaixa a mão no cabelo das sílabas, como quem não quer nada. Ela se faz de rogada e se pergunta o porquê, se quer tanto cair de cara nos sufixos, sair do sufoco. Tils dançam, mas não tem "não". A reforma ortográfica que tenha misericórdia, a pele trema em todo corpo. Aquele enlace de sujeitos não pedia verbo, o verbo vinha de intrometido que é.
Decidiu ser mais feroz, colou o corpo nos hiatos. Teclava linhas curtas, densas. Os fonemas seriam sussurrados, se ele pudesse ouvir sussurros via chat. A resposta veio antes de seu último ponto final. O outro estava se desfalecendo em detalhes. Da mão no cabelo veio um beijo de vogais, braços agarrados na cintura acentuada. As pernas dela faziam vez de circunflexo. O encaixe delicado e forte de cada oração. Prece de termos, os adjetivos que faltavam na hora do intenso. Palavras começaram a ser digitadas com uma só mão. Onomatopéias quentes, prazerosas.
Sem preocupar com normas cultas, agora ele invadia e devassava cada travessão que existiu. Foi era só beijar do jeito certo lá embaixo, nos seus predicados, que tudo virou hífen, sentenças entrelaçadas em uma longa palavra só. Línguas e linguagens faziam parte. Cabos de rede ligando corpos, prestes a formarem nome composto. Entregue, pediu penetração violenta, exclamações pulsantes. Mão nas costas, quadris involuntários, todo movimento cadenciado. Velocidade aumenta, as figuras de linguagem se borram. Espasmos por fim. O fraquejar nas pernas que é tão coletivo. Cardumes, bandos, manadas. Substância e substantivo, até que o logoff nos separe, cada um rolando pro seu lado da cama, em sua respectiva cama, amém. Enquanto suspira, pensa como é engraçado que seja digital, mas não tem os dedos dele marcando sua pele.
O jorro de vogais se acalmara, o sono veio. Já não estava mais em crase.