quarta-feira, 3 de abril de 2013

Que esse dia não seja nunca!



Que esse dia não seja hoje.

Completo três anos longe do lugar em que nasci, no dia em que nasci. Parece muito mais, uma vida inteira. Parece que não pertenço mais. O mundo me devorou e tinha tanta fome que nem deu tempo de por ketchup.

Eu ligo, escrevo, lembro. Mas o meu chão agora se move e a gente tem que navegar esse bote, baby. As pessoas quebram em mim como as ondas do meu mar-paisagem. Ah, as saudadinhas. As saudadonas.

Um dia elas vão se perder também...

Ainda vai chegar o dia em que eu e você seremos velhos de verdade. Embrutecidos, cansados, contempladores. Sem querer ir a nenhum aniversário e roubando vela do bolo. Sem paciência pra música alta, risada alta, gente alta. A gente ainda vai encolher. Lembrar do antes e não do agora. Confundir o nome do filho mais velho com nome do nosso irmão mais novo, depois com o do afilhado mais velho e por fim com o do cachorro.

E vão nos chamar de velhos por causa da idade, e não por trocar uma noite de tuntz-tuntz por um sofá quentinho com filme. E a gente vai falar bem do tuntz-tuntz e criticar o que quer que a molecada esteja escutando. Porque música, ah!, música mesmo era Soweto.

Que esse dia não seja hoje.

Reclamaremos em reuniões de condomínio. Vamos usar expressões em prol da risada do filho. "Brodagem". "Desejo mais é que ele pise descalço num Playmobil". "Você tá pagando vexa, fióti". A gente vai fazer pipa pro neto. Vai contar histórias e estórias, e elas vão se confundir a ponto das diferenças, ficção e realidade, não terem mais nenhuma relevância. Não pra gente. Eu e você. Poderemos dirigir a 20 km/h em qualquer rodovia que corta esse Brasil. País rico é país com muito velho.

Tudo será um desrespeito, tudo será desordem, todos os valores avacalhados. Especialmente os valores. A gente vai usar muito a palavra "avacalhado". Vou precisar mudar meu nome, talvez você o seu. Não existe Lucas velho. Assim como não existem mais Onofres jovens.

Que esse dia não seja hoje.

Talvez todas essas bobagens estereotipadas que engolimos sobre a velhice tenham mudado. Talvez não tenhamos mais medo dela. Nós dois. Talvez o novo velho do futuro tenha 120 anos. Quem sabe a gente descobre como lidar com a ideia da morte. Ver e ser morte. Chamá-la pra festa, só com a obrigação trazer o que for beber. A gente não vai ganhar aposentadoria pra sustentar porre de ninguém!

Que esse dia não seja hoje. Sim, eu adoro repetir esta linha. Que esse dia não seja hoje. Quero que você troque o "parabéns" por esta frase no tal do meu dia, pelo menos aqui comigo. Aqui, agora. Sobreviver é uma vitória, sim. Mas quero que você deseje juventude por essas 24 horinhas. A nós. E nos anos que vierem, todos eles, pra ver se ela sobrevive em algum lugar. Todo 3 de Abril. Eu e você.

E a Júlia, gritando, lá no fundo:

- Que esse dia não seja nunca!


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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto