sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Fisio-pé-travessia




O infravermelho arde na pele, seca tudo por debaixo da pele. Apesar da mocinha perguntar, de tempos em tempos, se tá quente demais, Hermes não cansa de repetir o "está tudo bem". Nunca quis ser um velho reclamão e manteria o sorriso, ainda que isso lhe rendesse uma queimadura leve.

Gostava daquele lugar. Não era como um bospital, cheio de gente morrendo. Tava mais pro lar de pessoas que se agarravam na vida. Alguns jovens, muitos velhos como ele. Problemas nas mãos, nos joelhos, nas costas. Uma loja de dores variadas, um arsenal de luzes e pesos e choques anestésicos.

O pé dele latejava. Queria caminhar mais longe, pular mais alto. Mas a idade não era a desse tempo. Aprendeu a se contentar com as flexões do coração, ainda elástico, que desenvolvia paixões subitas por temas novos e mulheres mais aind. Aprendeu a domar o peito e, apesar das queimaduras leves ali também, sorria. O pé ficava pronto pra novas travessias.

O homem, deus grego da mensagem, um homem. Não se fazem mais Hermes. Nem Adamastores. Nem carburadores. O tempo é engraçado, feito de fores, dores, o alívio que vem de rancores, estirado, jeito com cores, hóstia sagrada nas mãos do pastores. E rimas fracas. O tempo precisa do calor de um infravermelho, pensou, olhando fundo dentro da luz escarlate.




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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto