sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Tragicamor




Ah, sim. A gente ama. É. Desesperadamente, às vezes. Nem sempre. Quase nunca, na verdade. Amor bom é amor tranquilo. Em movimento, mas tranquilo. Imprevisível e ainda tranquilo. Ah, sim. Tem a dor do amor. Engraçado que a dor, ah, a dor de amor não costuma ser tranquila. Inaparente, mas não tranquila. Reclusa, pra que você não chore no ônibus como um garoto que perdeu a coleção de Tazo. Lembra do Tazo?

Ah, mas sim, claro. A gente ama. Às vezes. E tenta construir, o tal do Pedro pedreiro contratado na obra, nunca falta e sempre sobra. A gente sente falta de ar com amor, a gente sente que é engraçado, o amor e a dor do amor se misturam tanto.. Desesperadamente. O amor bom e tranquilo é quase nunca, na verdade. A dor boa é a dor tranquila. Não sou Chico e estou aqui trocando as palavras por novos significados. Não entendo Chico, mas entendo que ele não é medíocre nas suas dores. Não sou tão inaparente, meu Deus, eu ainda não parei de chorar e o ônibus já deve estar desligado na garagem a essa hora.

Ah, não. A gente ainda ama. E se não fosse isso seria tão mais fácil, seria tão mais civilizado. Desesperadamente, às vezes. Nem sempre. Quase aaaaaaaaah!, seria tão tão mais fácil escrever sem dor. E sem dor eu jamais teria sentado pra escrever isso. Pra desaguar em caracteres cada batida que meu coração pula, ventrículos e cavidades que não funcionam tranquilos quase nunca, na verdade. Já sentiu falta de ar(,) de amor? Paralisia facial de amor? Que amor é esse seu que não dói? Não é uma crítica, é uma genuína curiosidade. Troco por todos os meus Tazos. Tranquilo. Em movimento, mas tranquilo. Querendo não ter e não bater aqui palavras-remendo, palavras que não tapam um garoto no ônibus. Ou aqui nesse quarto que não me pertence.

Ah, hahaha, ai. Se eu parar de escrever dói. Tudo dói nesse amor que a gente ama. Não tem um Tazo pra me distrair dessa paralisia facial. Dessa dor. Desse homem que eu sou, que faz virar tragicomédia pra amenizar. E fracassa. No ponto final, fracassa.




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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto