domingo, 16 de maio de 2010

Hoje, uma onda

Hoje uma onda forte me acertou. Isso acontece às vezes, não é mesmo? Um momento de inércia, em que a vida nos alcança, nos atinge em uma esquina e a gente fica como que não pode fazer nada. Estático, inerte. E sentindo aquela onda dominar nosso corpo, nossa alma.

Me anunciaram, quase como se eu pudesse me preparar para o baque. Bobagem, a onda não se pronuncia e não se define. Ela tem sua vontade, pois a onda é feita da própria vida que vivemos, das escolhas que fizemos, das marcas que deixamos.

Queria poder soltar, gritar, esbravejar contra o tudo. Queria ser o sopro do mundo, a verdade escondida, o último Power Ranger de pé pra lutar contra as forças do mal e sair com as glórias, mesmo que derrotado. Mas a derrota para a onda nunca é gloriosa. Porque lutar contra ela é não respeitar quem comanda a onda. E por mais que ela te afogue, você só pode abaixar a cabeça. Respeitar o que a onda traz. Tentar levar pra casa, além do sal que gruda na pele, algum aprendizado. Como um soldado Ryan pra chorar por seu capitão sacrificado. Como eu, um bobo tentando fazer as mazelas da vida parecerem engraçadas. Quando a onda acerta, só resta o riso fraco.

Ontem eu estava revendo um filme importante pra mim. "Mais estranho que a ficção", no original em inglês, "Stranger than fiction". É um filme que me diz muito, particularmente, mas é claro que pode ser um grande saco pra você. E é claro que se for um saco pra você, você se torna meu inimigo automaticamente. Dados os avisos, o filme é sobre um cara comum e o seu relógio, que passam a ter suas vidas contadas e controladas por uma escritora. Harold Crick e o Fistwatch.

Mentira. O filme é sobre como a gente muitas vezes é acertado pela onda. A onda que arrasa com a gente, que traz o amor, que leva o amor, que não te considera filho, que te ama como irmão, que é o Soldado Ryan, que é um bobo piadista, que te destrói os sonhos, que constrói um desejo, que te lava a alma, que te tira a alma com uma cartada, que te deixa um meio-sorriso, que te faz um novo homem, que deixa uma cicatriz que lembra a forma de uma foca, que abre um pacote dos correios, que te dá uma balinha de hotelã.
Que é um relógio marcando o seu tempo, o meu tempo. O tempo engatinhar, do jeito que eu sempre quis.

Eu não tenho mais relógio. Acho que é hora de ser como Harold Crick.
E quem puder, se alguém puder... segura minha mão?

Um comentário:

Daniela de Carvalho Duarte disse...

Eu gosto desse filme. E tô aqui, se você precisar de alguém pra segurar sua mão. É só me ligar.

Por falar nisso, cadê você?

Quem sou eu

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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto