terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Flerte




Há umas semanas atrás abriguei o Formiga lá em casa. Não, não precisa se esforçar. Esse não é o Formiga que você conhece. Esse Formiga eu acabei de inventar.

O Formiga me contou uma coisa interessante que aconteceu com ele. Diz o Formiga que estava mal com a Claudinha, sua paixão. Formiga é metido com jogo do bicho (trocadilho, eu sei e eu gosto) e a Claudinha ficou furibunda quando ele gastou o salário na Mula. Deu zebra. Claudinha botou o apostador pra dormir no sofá e não quis saber de conversa.
Então vinha voltando o Formiga do trabalho, cansado e já prevendo chuva de prego novamente quando chegasse em casa. E deu-se que, ao entrar no coletivo, Formiga viu uma mocinha bonita, que lhe chamou a atenção.

Maroto que é, ele se aproximou um pouco e ficou perto da menina, em pé ao lado do banco dela, a observá-la com cuidado. Sentado junto a mocinha, um enorme ser bombado conversava, demonstrando interesse principalmente pelo decote da dita. Típico do ambiente de transporte de massa.
A moça tinha qualquer coisa da Claudinha, mas Formiga não sabia dizer o que. Ficou a observar a menina pelo reflexo da janela, para não dar bandeira. A cada palavra que ela trocava com o bombado, Formiga ficava mais intrigado.

Como o Formiga é dos meus (feio, pobre e mora longe), a viagem foi longa. A mocinha, em determinado momento, olhou pela janela e viu o olhar doce de Formiga sobre ela. Sorriu, de coração aberto, pela estratégia do rapaz, de olho do reflexo. Formiga sorriu de volta. Se olharam frente a frente, ambos ignorando perigosamente o bombado entre eles. Formiga percebeu que estava no seu ponto e seguiu para saltar do ônibus, ainda sorrindo, e sorrindo foi até entrar em casa.

Dias depois do episódio, o meu amigo veio de malas prontas se hospedar na minha residência. Disse que tinha largado a Claudinha, que precisava de uma semana de refpugio. Eu dei só por ele ser imaginário. Quando perguntei o que houve, ele primeiro não soube responder e depois se explicou.

- Percebi que a Claudinha não é minha paixão, Lucas.
- Mas como isso agora, Formiga?! Você é doido pela Claudinha, até tatuou o nome dela no peito, com o "nha" contornando o mamilo.
- Pois é, mas encontrei a verdade.
- Que papo de crente é esse?
- Flertei com uma menina no busão, meu amigo. Por dois segundos, vi o que me deixava doido pela Claudinha. Quem ela já foi. O passado me encantou pela Claudinha. O presente me deixa na mão.

Achei graça e a história muito estranha (Formiga nunca foi filósofo), logo o malandro não me enganou muito tempo. Passou a recusar caronas todos os dias e comprar vale-transporte aos quilos.

Hoje em dia a turma toda sabe que ele anda de ônibus a torto e a direito pra usar a cantada do reflexo.



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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto