segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

In the Jungle, the Mighty Jungle




Awi mauê, awi mauê, awi mauê.

- Perdeu! Perdeu! Se mexer eu vou te furar todinho.
- Perdi, pode levar. Pode levar.
- Pega o relógio dele.
- No bolso! O que tem no bolso?!
- Pode levar... NÃO! A CORRENTE NÃO!

In the Jungle, the Mighty Jungle, the lion sleeps tonight.

A mão do Assaltante 1 se fecha em torno da corrente enquanto o cotovelo direito do rapaz sobe por baixo, acertando bíceps e fazendo a mão do outro se abrir. A adrenalina dispara. No mesmo movimento, o rapaz agarra o pulso dele e o torce como faz com as suas calças jeans, deixando o Assaltante 1 torto e quase de joelhos. O Assaltante 2 tira a mão do bolso e acerta um soco nas costelas do rapaz. A raiva, como se fosse um balão cheio com ar demais, explode. Um balão que nem parecia existir e já está ali, no ar, se estilhaçando, ecoando pelas ruas vazias do centro da cidade.

In the village, the peaceful village, the lion sleeps tonight.

O rapaz não se mexe com o soco, por reflexo revida com uma cabeçada no rosto desse tal de 2 e decide quebrar o braço do Assaltante 1. Puxa o pulso até deixar o braço dele esticado e dá um gancho, aquele soco de baixo para cima, no antebraço do infeliz. É como ver um palito de dente se partir. Talvez seja. O braço dele era muito fino, de alguém que não come direito há meses. Assaltante 1 está fora. O rapaz se vira para o 2, que dá mais socos, todos no ar. Assaltante 2, seguro pela camisa, grita de susto. Depois vem o grito de dor. Seu joelho direito está apontado pro lado errado e ele está caido. Os gemidos fazem a música de um ballet instantâneo de violência. O assalto vira bárbarie. O assaltado, um balão explodido.

Hush my darling, don't fear my darling, the lion sleeps tonight.

São muitos socos. O rapaz está montado sobre o Assaltante 2, ou o que ele está se tornando. Uma massa de sangue disforme. Nariz quebrado e nocauteado, mas o rapaz ainda está batendo. Cada pancada é um eco oco no corredor de prédios vazios. Os carros passam do lado como se nada estivesse acontecendo. O rapaz se levanta, sem saber bem o que fez, e corre. As mãos dele beberam muito sangue, são vampiros. As gotas voam pelo asfalto, ele some na noite. As duas vítimas ficam mudas, na calçada escura. E assim como a selvageria começou, acaba? Não. Ela não tem começo e nem fim;

Awi mauê, awi mauê, awi mauê.

Awiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii hi hi hi hi hi hi. Awi awi mauê.


domingo, 21 de dezembro de 2014

Recado




Quando acabou, e de repente acabou, o que talvez já estivesse acabado, coloquei, ainda que sem propósito, mais vírgulas, pra adiar o inevitável. Eu não sei chorar tão fácil. Mas a dor que dói é curta, serena, perene. As minhas dores, as minhas mães, as paixões das quais eu sou.

Queria que ela ouvisse meu coração batendo, por inteiro os sons que ele emite. Porque ele resolve qualquer problema, cada equação que a gente não conseguiu solucionar. E eu posso ouvir o seu. O dela. De noite eu deito sobre eles, todos os corações que já tive ou vou ter, sincronizados, se escondem no meu travesseiro. E todas as dores, mães, paixões.

Serei um homem de alertas. Deixando pelas paredes recados pra quem passar. Falando que a gente encontra e perde, parede e se encanta. Lembrando que tudo o que sangra estanca, coração. Deixa escorrer. Te deixo este aviso, comovido, com o coração na mão.



Quem sou eu

Minha foto
"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto