domingo, 2 de março de 2014

Sexo, o frágil - Amor de Carnaval




Travado, parado, estacionado, empacado, emburrado. O elevador não iria a lugar nenhum nas próximas duas horas. Então ela estava lá, de coelhinha. Ele estava lá, de pirata. E o síndico, vestido de diabinho, não acreditou no que viu. Não por eles transarem sob as câmeras do prédio. Essas coisas já tinham ocorrido antes.

Mas é que a Cidinha do 407 e o Jairo do 306 nunca tinham se dado "bom-dia", ainda que convivendo por 8 anos no Residencial Morada do Vale. Agora estavam se dando vigorosamente. E com uma perna-de-pau envolvida.

***

Após uma noite inteira, a manhã de quarta chegou. Ele se esticou na cama, calçou as meias devagar, respirando fundo. Tinha dormido mal. O pescoço doía, as mãos ainda fraquejavam. E a ressaca batendo forte. Desenroscou uma serpentina do tênis enquanto ouvia o outro se levantar. Levou mais tempo curvado, não sabia se deveria olhar pra trás ou não. Queria, mas e a vergonha? Roberto resolveu pelos dois. Tocou seu ombro de um jeito despreocupado. Perguntou se ele precisava mesmo ir tão cedo. Respondeu que sim, balbuciando qualquer frase com "trabalho" e "tá tarde".

Vestido, pronto, se levantou e alcançou a porta. Contudo o rapaz soltou lá atrás um:

- Fica.

E o seu dedo parou, tocando a louça antiga da maçaneta. O corpo todo se retesou, cada músculo, cada pedacinho da pele, tudo em estado de escolha. E aquela maçaneta não era mais uma maçaneta. Em seu coração, aos pulos e indeciso, virou um gatilho onde seu dedo repousava com uma decisão por tomar.

Ele. O gatilho. A decisão. Tic. Tac.

***

Odiava beijo triplo. Era uma grande equação de quem-fica-com-mais-língua. E não era boa em matemática


***

De repente começou a rir sozinha, até quase chorar, sacudindo os ombros e espantando as outra mulheres no banheiro. É que sempre tinha sido fã dele, desde criancinha comprava as revistas e lia com um prazer descomplicado. O herói era charmoso, falava diferente e bonitinho, tinha sempre aquela mente inquieta, divertida, cheia de planos e artimanhas pra vencer. Não tinha tempo ruim pra ele. Admirava aquela perseverança, rígida como o martelar de Kalashinikov.

E agora estava ali, no único banheiro que encontrou perto do Bloco dos Quadrinhos, retocando o batom depois de ter realizado um boquete no Cebolinha.

***

Não conseguia entender a habilidade que os fabricantes de camisinha tinham pra fazer aquele troço escorregar lá embaixo e estilingar uma lapada impiedosa no rosto das suas parceiras. Por precaução, começou a andar com um rolo de fita crepe pra fixar a coisa toda.



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"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato/ O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço/ O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome/ O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas/ O amor comeu metros e metros de gravatas/ O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus? O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos/ O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão/ Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte" - Dos Três Mal-amados, Palavras de Joaquim - João Cabral de Melo Neto